Sobre 2020- parte 2
Chove! Continuo em quarentena, exatamente dois meses, no sitio e em casa. Tento manter a rotina de exercícios, dieta, horários. Tento não perder o contato com as pessoas, manter o afeto. Muitas saudades do convívio, dos amigos, da rotina, de ter para onde ir e o que fazer, de planejar a vida.
Tento lembrar do que estaria fazendo. Esta semana tínhamos planejado uma viagem à Mendoza. enoturismo com um casal de amigos. Pensando nisto vejo como tudo mudou em dois meses. Como o mundo mudou, como a vida é frágil e como nós nos empenhamos para esquecer disto. Quantos anos e quanta energia gasta para montar uma vida toda certinha e agora perceber a fragilidade e a falsa sensação de controle.
Estes dois meses me ensinaram a não planejar, a ficar sozinha comigo mesma, a ressignificar a vida, a reavaliar a diversão, a escalonar as prioridades e a importância de pessoas e coisas. Não preciso ir ao shopping toda semana, comprar uma roupa nova para uma festa, sair, divertir, encontrar pessoas. Estou aprendendo a introspecção, que viver não é sempre uma festa. Viver também é enfrentar a solidão. Encarar horas vazias, tédio, reflexões, recordações, balanço de vida. O que fazer depois disto tudo? A vida vai mudar? A humanidade será a mesma? Não tenho como acreditar em mudanças. O mundo já passou por períodos piores e nada mudou. A história nos mostra que nós humanos somos sempre os mesmos, não aprendemos e continuamos como sempre.
Vivi o início da pandemia da AIDS. Ela chegou como doença incurável, cem por cento fatal, mas era também considerada uma doença de gays, a peste gay. Antes das críticas, um esclarecimento: Posso dizer gays porque era este o substantivo que, na época nomeava as pessoas homoafetivas masculinas, não existia esta patrulha linguística como temos hoje. Muito sofrimento, muito preconceito, muito medo. A prevenção era fazer “sexo seguro” com poucos parceiros e com uso de preservativo. Falamos muito sobre sexo, as escolas tinham conteúdo didático sobre sexo com recado de que sexo matava.
Isto tudo ocorreu na década de 80, há 40 anos. Temos hoje a segunda geração pós AIDS, não temos vacina, temos tratamento e não se fala tanto nisto. Pesquisas recentes mostram que o uso de preservativo não é prioridade entre os jovens .Estes jovens são os mesmos que aprenderam na escola que sexo mata. Nada mudou!
A humanidade anda em círculos e se comporta como sempre. Ouço previsões de que o mundo será outro após a pandemia do COVID. Com o exemplo de experiências passadas, o que podemos aprender é que as mudanças se diluem no tempo e as pessoas voltam a ser como sempre foram. Guerras, questões religiosas, políticas, econômicas, poder, miséria, maldade, sempre existirão, fazem parte do nosso humano.
Márca Cris Almeida
16/05/2020