Sobre 2020-

2020. Iniciou com o envenenamento das pessoas com a cerveja consumida para celebrar as festas de fim de ano. O que era para ser festa, confraternização, alegria, matou pessoas envenenadas. Quando tentávamos entender o que se passava, veio a chuva. Maior índice pluviométrico dos últimos cem anos. Muita enchente, destruição, morte, perda de patrimônio, de vidas. Enquanto tentávamos limitar e restaurar o que foi perdido, chega a pandemia do Corona vírus. Contaminação por contato, todos obrigados a se recolher em casa. Não podemos encontrar, celebrar, conversar, abraçar, beijar. Recolham o afeto e o amor.

Notícias terríveis vindas da Itália, profissionais de saúde precisando decidir quem vai viver por falta de equipamento para manutenção da vida de todos, caminhões do exército italiano em comboio carregando muitos caixões. No brasil, cenas de pessoas no supermercado levando para casa excesso de produtos para estoque, deixando as prateleiras vazias sem pensar nas outras pessoas. A imprensa exacerba o medo ganhando audiência, mostrando o que há de pior da pandemia, mortes, sofrimento, Nenhum alento, nenhuma palavra de otimismo e o slogan” fica em casa”.

Fica em casa com todos os seus medos, fica em casa sozinho, fica em casa sem afeto, fica em casa sem suas crianças, fica em casa para não morrer, fica em casa e engula a sua angústia, sua fragilidade. Fica em casa... Durma, se conseguir, coma se tiver comida, curta seus medos, perceba sua insignificância, assuma sua fragilidade, e lide com tudo isto sozinho. Fica em casa, procure ajuda em último caso.

O ser vivo nasce e morre. A morte é certa, mas tentamos o tempo todo não pensar nesta realidade porque não sabemos nem quando e nem como. Esta angústia da certeza do desconhecido nos faz caminhar, viver, buscar sempre ser feliz. O filósofo francês Sartre (1905-1980) nos diz que nos formamos pessoas com a vivência. Somos o resultado da nossa existência. Isto nos faz pensar nas contingências, nas escolhas que fazemos tecendo esta vida e nas situações que nos deparamos. Gosto muito de pensar nas contingências, nos “e se?” da vida. E se não existisse este vírus? E se as pessoas obedecessem ao isolamento? E se a pesquisa em saúde fosse mais valorizada? E se? E se?

A história nos conta que o mundo já passou por várias epidemias e pandemias e poderíamos aprender com o passado. A natureza não tem leis, ela simplesmente existe. A humanidade é que tenta classificar, decodificar os fenômenos para que eles se tornem inteligíveis. Para os humanos, claro! Na natureza não existe números, linguagem, leis físicas, crenças, julgamento de valor, A natureza é. Simples assim! Somos nós, os humanos, que sempre inferimos propósitos e causação em todos os fenômenos.

Lendo sobre as outras pestes que acometeram o mundo, fico pensando como explicar os acontecimentos com as leis humanas de entendimento da natureza Desequilíbrio ecológico? Parasitismo? Superpopulação? Fúria Divina? Quando estamos vivenciando um fato, somos também protagonistas destes fatos e não conseguimos distanciar o olhar e a percepção para narra-lo. Em outras palavras, o presente nos torna personagens históricos do hoje. Como personagens, humanamente temos o afeto e envolvimento e somos incapazes de entender a situação.

Mas, podemos tentar entender o presente com a história. A gripe espanhola, que iniciou no Brasil em 1918, contaminou rapidamente muitas pessoas, não havia prevenção e nem tratamento, a mortalidade foi alta e desapareceu depois de um certo tempo. A medida sanitária tomada foi também o isolamento dos infectados e o isolamento social. Exatamente o que estamos vivendo. A vantagem que temos sobre eles é o desenvolvimento tecnológico. Lendo o passado podemos ter a certeza de que vai passar. Enquanto isto, esperemos!

Vivemos projetando nosso futuro muitas vezes conscientemente seguindo um planejamento que fizemos ou fizeram para nós. E não tem como prever o fim, ou pior a maioria do nosso planejamento não acontece. Sabe aquela brincadeira de expectativa x realidade? É isto! Vamos nos reinventando o tempo todo, arrumando aqui, fugindo ali, nos enganando.

Como aceitar a morte? Por mais que tenhamos um discurso feito, na hora que ela ocorre é muito difícil. De repente, não existimos. Ficam para trás os compromissos, as pessoas que amávamos e cuidávamos. Esta quarentena está me ensinando a refletir e ser minha companhia, pensar nos relacionamentos, no que represento para as pessoas, a fragilidade do humano, como vivemos, totalmente solta no mundo sem conseguir controlar nada. Nunca esta frase me disse tanto como agora: "Somos seres jogados no mundo"(Heidegger, 1889-1976). Receita de viver bem? Alguém conhece?

Márcia Cris Almeida

31/03/2020

marcia cris almeida
Enviado por marcia cris almeida em 17/09/2020
Reeditado em 30/08/2024
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