Hildeberto, ao saborear coisas inúteis
Hildeberto Barbosa não é um pássaro que se prende em qualquer gaiola, mesmo em tempos de isolamento; isola-se, mas, hora ou outra, não deixa de sair por qualquer saída, pela flexibilidade dos ponteiros, e voar, voar, seja sobre os mares da nossas praias, seja no céu de Aroeiras. Mas, em qualquer espaço, não lhe existe prisão na liberdade, voa “Escrevendo Poesia”, de Hans Borli; ganhando alturas, diferentemente de Dédalo, sem medo do Sol. Imagino que, quando o pássaro bate asas, não esteja sabendo aonde vai, apenas sente o desejo de voar... Talvez reflita sobre isso, no retorno, e então a poesia já está feita, como não tivesse dificuldade de ter passado entre as frias nuvens e enfrentado o calor do Sol, do quente fogo.
Como ave mensageira, soltou, a mim bem dedicado, “O solene sabor das coisas inúteis”, ganhando alturas, destemido nos fieis hábeis tratos às ondas dos caminhos dos ventos. Li, o que despertou em mim as coisas inúteis que, com sabor, não têm mais sabor, como fruta, depois de muito mastigada, mas que, desde o início, já fora mordida insípida. Pior, sem saber que a insipidez estava nela, na sua casca, enganando-nos como se fosse uma suave pele, cobrindo sua inteireza. Seu livro inicia as poesias, utilmente, com o poeta norueguês, Hans Borli, provocador dos poetas que dizem ser fácil fazer poesia, no traquejo de fáceis rimas e muitas rimas. Até começa esclarecendo que “não é difícil escrever poesia”, mas, de repente, surpreende-nos, dando um golpe de machado: “De todo, não: não é difícil escrever poesia – é impossível “; restando-nos o desejo de que é preferível o difícil ao impossível...
Mas, não poeticamente, quando se voa, e voando, a facilidade se encontra com o impossível, ao emprestar suas asas às pedras; aos pesados cavalos que, alados, sem necessidade de esporas, tornam-se mais belos e mais ágeis do que quando movimentam suas patas no plano ou no montanhoso chão. Não interrompendo seu voo com “escrevendo poesias”, Hildeberto voa alto, e até levando consigo coisas pesadas do quotidiano, talvez inúteis, contudo poéticas, assim como no “Única Mensagem”, induzindo-nos aos contrários, ao sentimento de que a poesia, ao se “escrever poemas, (é) forma estranha de acariciar as coisas”, tornando-os de relativos a universais, ao confortar a alma, ao delirar os sentidos do corpo.
“O solene sabor das coisas inúteis” provoca o bem-estar do corpo e a inquietação do espírito, dependendo, caro leitor, de como esteja você no seu voo. O estilo de Hildeberto faz o amante da poesia voar com o poeta, a nos levar a surpreendentes alturas; de onde vemos, com surpresa, novas visões, coisas nunca dantes vistas, que eram desprezadas ou esquecidas como inúteis. Contudo, no nosso meio, os “utilitaristas” priorizam as coisas lucrativas, sejam elas individualmente úteis ou socialmente inúteis. Enfim, na sua obra, Hildeberto se mostra um pássaro que se livra de qualquer fisga, de qualquer prisão, sobretudo das com paredes esborcinadas ou com muros esborniados. Ao sair da Academia Paraibana de Letras, nesse 14 de setembro, esse foi o livro que recebi do estimado confrade, do qual li belos poemas, todos versos até absurdamente sinceros, de intensa profundidade, que nos carregam à empatia e à compreensão com nossos próprios voos. E também a ter a certeza de que não vale a pena ser prisioneiro, tampouco da liberdade.