O Frango Emplumado
Tenho o caminho difícil à frente. Dizer isso na literatura é fácil. O duro é ter o caminho difícil na realidade e ninguém conseguir entender. A análise íntima, como queria meu sábio grego, é um grande sertão. Vá lá, grande sertão, veredas. Guimarães Rosa...
Enquanto não me baterem à porta, não interrompo o trabalho. Imagino a confortável condição do Adorado. De agora em diante, prefiro o Adorado ao Adorador.
Não correrei mais atrás do mundo, se quiser venha a mim. Me prendo aqui dentro, embora saiba que isso é uma forma de próclise e, neste caso, também proibida. Me perdoem os gramáticos e os que forem egocentristas.
Bem, ora bolas! A análise íntima é questionável, os médicos da mente se contradizem. Conhece-te a ti mesmo, diz meu sábio grego. Raspo o fundo do prato e não acho nada. Sou o Frango Emplumado, enquanto isso, íntegro e respeitável. A cada vez que me depeno, no entanto, fica mais custoso o depenar. E o frango depenado é um feio animal, digo para os que jamais o viram. É o mais feio animal da face da Terra. O Iguana de Páscoa é mais feio, mas ele está na Ilha de Páscoa e nem existe. É um símbolo. Particular e inalienável, esqueçam.
Na verdade, não queria tanta complexidade interior. Se ninguém soubesse ser possível depenar o frango... se a gente se contentasse apenas com as plumas do frango! Mas há uma espécie de sadismo em tudo e todos. E vem essa multidão de ébrios, ansiosos, arfantes, despudorados, arrancam as penas, desnudam, querem arrancar todos os segredos, das pequenas às imensas falhas.... É tão cômodo ser o frango casto, digno, íntegro e respeitável!
Árida a análise íntima. Essa estrada que aparece é indefinida. Direito como ir não sei. Talvez nem seja ir nem ficar. Nem o meio termo.
Barroco. O homem é eternamente barroco, diz um sábio ao lado meu. Sei disso, mas resolve alguma coisa? Não contesto mais. Fico à espreita. A vida deve ser como um baile. Há os que dançam e os que não dançam.
Ouço os ruídos da festa. Parece que não se admitem imparidades no salão. Acho que todos dançam em duplas, é obrigatório? Se assim, não sirvo mais que ser a justificativa da regra: todos dançam, um não: exceção.
Não é dramático não dançar. Ouço os ruídos do salão e não me lamento pelo abandono. E não há ninguém que se magoe por mim. Então, está tudo certo, bom para todo mundo.
Enquanto isso, vou me contando estórias. Lendo alto. Quando me baterem à porta, interrompo o trabalho. Mas, enquanto não me baterem à porta, não interrompo o trabalho.
Você – que sabe para quem escrevo – por favor, pense nisso: doravante, prefiro a condição do Adorado ao Adorador. Não é jogo de palavras. Pense nisso. Mas não defina a vida só com imagens, como o faço.
Há os que nadam e os que veem os outros nadar. Fernando Sabino. É difícil definir a vida só com palavras. João Cabral de Melo Neto.
Licença. Agora vou rezar ao Frango Emplumado.
(Belo Horizonte, MG/1971)