Meu barbeiro

Em memória de Carlos Heitor Cony

Meu barbeiro é o cara menos triste que eu já conheci. Não que sua vida seja lá um paraíso, mas é que nunca o presenciei reclamando de nada. Não reclama do sol forte, da chuva, do atraso do ônibus, de um assalto que ele tenha sofrido ou de um carro que passou num dia de chuva e molhou a roupa dele. Parece ser do tipo de homem que aprendeu a rir de si mesmo e da vida. Corto meu cabelo com ele há dez anos. De lá pra cá, o salão onde ele trabalha é o lugar no mundo onde sinto mais prazer de ficar.

Naquele salão não vai granfino. Nada de juiz, advogado, médico ou algum outro bacana. Não. Por ali passam cobradores de ônibus, donas de casa levando seus filhos. Gente simples. É um lugar de uma alegria inexplicável.

Certa vez um vendedor tentou vender um bilhete de loteria e meu barbeiro disse o seguinte: “Não posso ganhar na loteria porque se isso acontecer, vou ter fechar aqui e perder todos os meus amigos.” Frase simples, curta e carregada de simplicidade.

Ele sabe como gosto da barba. Sabe como cortar os meus cabelos. Nada de desenho no cavanhaque, nada de inventar moda, nem pensar em me deixar parecido com aqueles caras que empinam moto no bairro, que andam com o capô do carro aberto tocando aquela música horrível.

Certo dia o meu amigo barbeiro foi viajar com a patroa na praia. Acabei aceitando, apesar de muito contrariado, fazer a barba perto do ponto de ônibus na mesma rua do salão. Fui logo avisando: “Cara, não desenha na minha barba.” O rapaz olhou sério pra mim e disse: “Já é”. Infelizmente, eu não contava com o fato de que ele atendia todos os clientes da mesma maneira e fazia tudo igual pra todo mundo. Saí de lá igual aos manos lá da quebrada. Foi o fim pra mim. A partir dali, decidi que nas férias do meu amigo ficaria barbudo e cabeludo. Nem que para isso eu ficasse parecido com um terrorista da -Al-Qaeda e passasse a ser perseguido pela Interpol. Não importa. Não dá pra fazer barba e cabelo em outro lugar.

Meu barbeiro tem um trato todo especial para as mulheres. Não se trata de virar o pescoço toda vez que elas passam, mas de gostar delas. Elas o procuram para trocar dinheiro, falar do namorado, levar o sobrinho pra fazer um corte legal e não me lembro de uma vez que ele não fizesse com que uma mulher saísse sem um sorriso do estabelecimento dele. Cumprimenta do outro lado da rua e elas sempre sorrindo de volta.

Interrompe o atendimento, acalma um garotinho que está chorando, deixa a mãe satisfeita e a nós todos embevecidos.

Ele disse uma vez que dinheiro que não é pra guardar a vida inteira e sim pra fazer o que a gente gosta, mas que viver sem dinheiro nenhum acaba com a paz de qualquer pessoa. Disse que trabalha pra ir ao cinema com a esposa, viajar pra praia todo ano, comprar roupas e perfumes.

Durante a pandemia os atendimentos foram remotos e com pouca gente. Naquela manhã de terça-feira eu fui aparar a barba mais uma vez e tudo parecia como era antes. Várias risadas. Falamos de mulher, futebol, política, viagens e lugares que queremos conhecer depois que isso tudo passar. Aí ele me perguntou: “Você não sabe o que aconteceu, Leandro?”. “Sei não, rapaz.” Aí ele disse: “Eu enterrei minha mãe ontem.” Naquele momento senti vergonha das minhas dores pequenas. Diante daquele homem ali cuidando do meu corte depois de um dia da morte da mãe dele. De pé, digno, sereno e humilde. Descobri que meu barbeiro sabe como se faz para a gente ser feliz. Até a próxima quarta-feira.

Leandro Alves Pereira
Enviado por Leandro Alves Pereira em 16/09/2020
Reeditado em 16/09/2020
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