O CAVALO VADIO

Esse era vadio... Sabia enganar o dono, fugir do trabalho escravo, ficar

vagando à toa pelos recantos do bairro da Renascença. Uma vez eu o vi.

Vinha do batente, cansado, com uma fome canina. Atalhara o trajeto costu-

meiro, passando por detrás do campo de futebol do "Renascença", objeti-

vando chegar mais depressa em casa.

Ele estava lá em cima, no terreno limpo, antes um mato feio. Ruas foram

abertas, trator rasgou o morro que havia, modificando a paisagem. Agora

só terra vermelha e ele no meio dela, fazendo não sei o quê. De capim na-

da mais havia, só terra vermelha, água nem sombra.

Observei-o de longe. Seu ar de brejeiro, porte manhoso. Uma molecada vinha descendo, jogaram-lhe torrões, uma fuzilaria de calhaus. Ele então relinchou, irônico, abanou a cauda, trotou num garbo avacalhado para a

extremidade do terreno. A meninada desistiu. Ficara longe do alcance das pedras.

O malandro girou a cabeça, olhou os garotos. E então, com infinito desdém, ajoelhou-se, virou de barriga pra cima, rolou até mais não poder na poeira vermelha. Depois, levantou-se, sacudiu a imundície,

saiu devagar e matreiro.

Continuei meu caminho, o pensamento naquele animal esquisito. Pare-

cia até raciocinar. Incrível !... Depois do banho, a janta. Desta para a es-

la, que não sou como o cavalo vadio. Tarde da noite, quando retornava à

casa, topei de novo com o matungo, outra vez pastando quieto a gramínea da rua.

Parei perto dele, admirando-o. Ergueu o pescoço, fixou-me seus grandes olhos castanhos, tremendamente vivos, quase humanos, relin-

chou suave, sacudiu a cabeça e afastou-se devagar, calmo como nunca!

Só faltou desejar-me uma boa noite !...

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 16/09/20

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 16/09/2020
Reeditado em 16/09/2020
Código do texto: T7064659
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