Casos e lembranças da minha ANGOLA. ( fraldas e muito calor) .

São muitas as lembranças da minha Angola, e tão curiosas na maioria das vezes! Vidas tão simples mas ao mesmo tempo tão ricas de tudo. Coisas boas vêm-nos à mente, algumas vividas e outras até hoje contadas por quem as presenciou.

De tudo se fala ,mas era o clima e a vida ao ar livre que nos fazia viver intensamente cada novo dia com a certeza do delicioso calor e sol a pique sempre a nos bater na testa .

Saúde, paz de espírito e qualidade de vida? Sim, sem qualquer questionamento!

Assim vivíamos, felizes.

A minha família , de descendência portuguesa, viveu suas histórias como qualquer outra que ali chegou com o propósito de felicidade e integração naquela “casa” , a ser nossa também.

Com a ida de meus Avós para Angola, e nascimento dos filhos , iniciou-se uma história de vida familiar que só acabou com a independência em 1975. Chegados no início do século passado meus Avós, recém casados, ali viveram por muitos anos e criaram seus filhos entre eles meu Pai portanto, angolano de raiz, que apenas deixou aquelas terras por um curto período quando foi fazer o curso de Direito a Coimbra, Portugal.

Angolano apaixonado, sempre falava da sua terra natal com a merecida emoção ao ponto de se lhe humedecerem os olhos e foi numa dessas conversas que convenceu um primo, na época um estudante de veterinária em Portugal , a iniciar em Angola sua vida profissional . E assim foi: meu Tio José Trovão, primo e grande amigo de meu Pai chegou para trabalhar como Veterinário naquelas terras lindas e quentes no início dos anos 50. Funcionário do Estado Português, foi colocado na região de savanas, interior do Distrito de Moçâmedes, cidade onde nós vivíamos. Vivia bem mas isolado . Vida de muito trabalho e sempre muito atento às responsabilidades assumidas principalmente com a saúde do gado de grandes rebanhos pertencentes a nativos mucubais, proprietários desses tesouros, símbolos de riqueza.

Mas, o primo de meu pai era solteiro , e segundo a opinião da família mais próxima era necessário pensar-se numa noiva . Mas como fazer, se vivia tão isolado e tão cheio de responsabilidades e, portanto, tão longe das moças casadouras da cidade de Moçâmedes?Foi então que se vislumbrou uma possibilidade. No início dos anos 50 meus Pais receberam em Moçâmedes, cidade onde eu nasci, a visita de uma das irmãs solteiras da minha Mãe, e aí estava a possibilidade de se arranjar uma noiva para o meu tio veterinário e com a vantagem de união das duas famílias: o primo do meu Pai com a irmã da minha Mãe. E assim foi! “Mãos à obra”! Naquela época minha Avó, Mãe de meu Pai e já viúva, passava um período na cidade de Moçâmedes em nossa casa e a ela foi dada a incumbência de preparar um ambiente favorável. Imaginava-se uma maneira bem íntima e cativante de levar minha Tia solteira até meu Tio, e também lá fui eu no grupo , ainda bebé de fraldas, e mais uma pequena amiga de apenas uns 9 ou 10 anos sempre pronta a cuidar de mim, a Marília, grande amiga que apesar de ser no mundo virtual reencontrei ao fim de quase meio século de vida.

Contou-me ela: “ Chegada emocionante depois de uma longa aventura por picadas empoeiradas e mulolas na beirada de riachos que a fazia agarra-se a mim com todas as forças para evitar alguma batida mais forte no capô do jeap. A noiva, ainda empoeirada dos pés á cabeça, foi apresentada ao meu Tio Trovão logo à chegada e, ao que parece já com uns olhares de soslaio desde o primeiro instante. A casa era linda, apesar de sem luz elétrica nem água potável .A água para beber era a do rio que passava perto da propriedade. Era tipo uma casarão em estilo colonial, de grandes dimensões como era hábito em construções antigas, e com acabamentos de madeira por toda ela desde o teto ao assoalho que, segundo a Marília se lembra, vibrava e chiava bastante, característica comum em pisos de construções antigas.E tudo foi se organizando da melhor maneira a proporcionar momentos mais a sós aos futuros noivos. Minha Avó metia-se na cozinha sempre que possível mas o que fazer comigo e com a Marília? Bem, ela cuidaria de mim claro, mas teria de ser longe da casa. Dito e feito! As lavadeiras tinham de lavar as roupas na margem do rio que lá passava perto e lá fomos nós; muitas fraldas para lavar, ficaríamos ocupadas por um bom tempo. A Marília, incansável como sempre, ofereceu-se para pô-las a secar .Eram dias muito quentes , absolutamente comuns naquele interior de mato cerrado; as lavadeiras prontamente improvisaram um varal para estendê-las. Coitada da Marília. Corria o dia inteiro. Cuidar de mim e das fraldas não era fácil pois , o calor era tanto que conforme ela ia estendendo as últimas, as primeiras já estavam secas e tinha de correr para recolhê-las.. Zelosa como era, lá andava a minha amiga numa azáfama alucinada ,da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, a dar conta de tudo.

Ela sempre se lembra desses dias com muita saudade e eu ,feliz com lembranças daquelas terras tão quentes de África que faziam a nossa alegria de viver.Com fraldas para lavar e secar ou sem elas...bendito calor de Angola!

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Lana

Teresa S Carneiro
Enviado por Teresa S Carneiro em 15/09/2020
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