Um cavalo de troia na lata de sardinhas.

Autor: Luciano Neves

Um cavalo de troia na lata de sardinhas.

Mais um dia cansativo, venho do trabalho, dentro desse coletivo. Não sei se você já andou em um desses, mas nele você aprende muita coisa. Como sempre, quando volto do trabalho, entro em um ônibus cheio, mesmo tendo esperado no ponto de embarque quase 1 hora por um ônibus menos lotado, isso seria impossível, todavia o pobre não perde a esperança.

Fui entrando nessa grande lata de sardinhas, com o ônibus cheio não se pode respirar fundo (essa informação deveria estar no letreiro do ônibus) os motivos são diversos, contudo nada cheirosos. Pago a passagem ao cobrador com imenso pesar, pagar para andar assim? Na verdade, sinto pena do cobrador, imagine como é trabalhar o dia todo aqui, nesse ambiente explosivo e cheio de ruídos. A grande lata de ferro se movimenta pela rua da frente da pequena metrópole, a cada ponto de embarque se aglomeram pessoas em uma mistura agoniante, sou obrigado a cheirar as axilas de um rapaz que não conhece a tecnologia do desodorante ou nem mesmo a velha cultura do limãozinho, com o ônibus cheio não se pode respirar fundo (essa informação deveria estar na carta de Pero Vaz de Caminha ou nos poemas de Camões). Os odores se misturam de forma mútua, mas, as sardinhas desse ônibus não imaginam que carrego em meus pensamentos um tom de vingança, estimulado por minhas narinas.

O ônibus para em um terminal de embarque e desembarque, descem 7 sobreviventes e embarcam 20. Quase sempre, penso que seria melhor comprar uma bicicleta e usa-la como transporte para ir ao trabalho, não aguento mais respirar tanto gás, isso pode fazer mal a minha camada de ozônio. Estou a 10 minutos do meu desembarque, não vejo a hora de descer desse ônibus. Não sei se é a ansiedade, mas sinto um calor saindo de dentro de mim, adianto que não é um bom sentimento. Percebo que o rapaz que estava perto de mim com o famoso cecê começou a ficar avermelhado, por sua pele ser muito alva, deu para perceber que havia feito alguma coisa, de forma veemente explodiu um cheiro ardiloso e sagaz que dominou o ônibus, e abafou todos os meros odores que ali prevaleciam. Todos estão indignados, uma senhora que está ao meu lado murmura em alto som _Quem diabos peidou? _ não quero ser um juiz nesse tribunal gasoso, porém há uma filosofia que diz “quem está com a mão vermelha, é aquele que peidou”, diante disso, não tenho dúvidas que o ar desagradável veio do rapaz todo avermelhado, se só as mãos vermelhas indicam o ato, imagine o rosto todo. Não pude me calar diante dessa situação fedegosa. Falei em alto tom, olhando para o rapaz avermelhado: _Quem soltou tal bicho, deve ser punido!

Meu ponto de descida estava chegando, mas eu não me conformava com a atitude daquele rapaz frouxo, todos que estavam no ônibus compartilhavam do mesmo sentimento, todos olhavam para o rapaz e falavam coisas que ofenderiam qualquer peidão amador. Meu ponto de desembarque chegou, agora desço do ônibus sem meu cavalo de troia e até que enfim já posso tirar as luvas das minhas mãos, já não aguentava mais esconder minhas mãos escarlatas.

Luciano Neves
Enviado por Luciano Neves em 15/09/2020
Código do texto: T7063835
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