Miolo de Pote
ACHO que parte das pessoas que leem minhas maltraçadas vão rir do título "Miolo de Pote". É natural. A expressão era muito usada no Nordeste, principalmente no sertão, para designar conversa mole: - Fulano e sicrano só conversam miolo de pote. Uso essa expressão como título de uma coluna que escrevo há 38 anos para um jornal mensal de Arcoverde. Procurei um título, listei uma porção, achei todos chatos e aí recorri à expressão popular, afinal a coluna também tratava de coisas leves e divertidas. Ainda hoje segue o mesmo padrão, assuntos sérios e divertidos.
Acordei hoje com saudade do sertão. Saudade dói. Uma dorzinha gostosa. Depois do café com tapioca, leite, além de um pedaço de mamão, fiquei na janela assuntando a maçaranduba do tempo. Fiquei ali conversando miolo de pote comigo mesmo, pensando na vida, olhando as pessoas passando na calçada, um movimento fraco, antes era muito grande. Vi um passarinho fazendo cabriolas, adoro, e então recordei um verso de Calderón de La Barca: "Que é a vida? Um frenesi./ Que e a vida? Uma ilusão./ Uma sombra, uma ficção./ e o maior bem é pequeno./ pois toda a vida é sono/ e os sonhos, sonhos são". O passarinho possou num galho de uma árvore e repeti uma frase de Malraux como se estivesse me dirigindo ao passarinho: "Uma vida não vale nada, mas nada vale uma vida". O passarinho rodopiou e alçou voo no céu de brigadeiro, ri e desejei sorte a ele, lembrando o que disse Chaplin: "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça acabe sem aplausos".
Saí da janela, parei de conversar miolo de pote, fui para mesinha rascunhar meus trecos e vi na pregado capa do velho dicionário um dito de Gibran: "A vida pode ser de fato escuridão se não houver vontade, mas a vontade é cega se não houver sabedoria e vã se não houve trabalho, o trabalho é vazio se não houver amor".
Por hoje basta de miolode pote. Inté.