Mundinho
Mundinho era um rapaz com necessidade especial. Tinha problemas de fala e de movimentos e uma aparência repugnante, para a maioria das pessoas, sendo motivo de deboche entre alguns moradores da minha rua.
Não sei nada dele a não ser que era o Mundinho, um rapaz que, ao seu modo, me amava.
Talvez por não conseguir pronunciar meu nome ou por ter me designado um carinhoso apelido, ele me chamava Lisse, com o “s” sibilado. Lembro de estar à janela do meu apartamento de andar térreo e ao me ver, quando passava na rua, ele dizer: “Lisse, eu gosto 'd’cê'... vou casar 'com’cê' sábado”.
Alguns amigos do prédio caçoavam de mim por ser o objeto do amor do rapaz. Achavam divertido. Nunca me importei com isso porque me preocupavam mais a empatia e a solidariedade para com ele que qualquer outra coisa.
Ele apenas era alguém muito pobre que me comovia. Às vezes, em frente ao muro, ele me chamava: “Lisse, 'um fome', Lisse”! E eu preparava um prato de refeição ou algum lanche para ele. O sincero sorriso mostrando dentes enormes e truncados era uma retribuição para a alma. Ao devolver o prato, a declaração como gratidão: “Lisse, eu gosto d’cê”!
Vez por outra eu o ouvia repetir a mesma coisa em tom mais baixo, enquanto caminhava solitário subindo a rua carregando um triste semblante, e sem nem olhar na minha direção. Naqueles momentos parecia estar em outra dimensão, mas o hábito, ou um verdadeiro sentir, não o deixava me esquecer. Eu existia para ele em qualquer dimensão que estivesse. "Lisse, gosto d'cê".
E eu adotei o apelido Lise. Por causa do Mundinho e do meu irmão, que me chamava “Malise”. Hoje lembrei desse episódio da vida no momento em que assinei Lise num e-mail, e não consegui evitar a nostalgia na recordação.
Mudamos de endereço e nunca mais ouvi falar dele. Seria seu nome um diminutivo de Edmundo, Raimundo...? Onde morava? Qual era a sua história? Não sei.
Não sei nada dele a não ser que era o Mundinho, um rapaz que, ao seu modo, me amava e que espero que tenha ficado bem.