11 de setembro e as lembranças

Há muito tempo, acho que no fim do século passado, exatamente em 1999, eu fui lesada por uma criatura. Então, como sempre acontece, me debrucei sobre uma via de possibilidades, ou seja, uma folha de papel em branco, e derramei em versos o seguinte lamento:

Quem me embarcou pra essa Terra

Fez uma ofensa a mim

Não me falou das mazelas,

canalhas e mandarins

Tantos botões, fios, teclas,

não fazem nada por mim

Minh'alma vaga na Terra

feito um cowboy em Pequim.

Em 1999, eu era bem mais nova e minha postura diante dos reveses era um tanto imatura e pessimista mesmo. Nem sempre a revolta é solução, eu sei. Mas, cá pra nós, hoje são 11 de setembro e essa data nos remete feito catapulta a uma tragédia calculada com requintes de crueldade impensáveis até aquele momento. Mas os fatos ocuparam a mídia, deixando todos nós muito bem informados sobre o acontecido. Então vamos pensar em termos de Brasil, porque estamos vivendo momentos terríveis, muito difíceis. Parece que vivemos, hoje, a síntese de toda a história da humanidade. Ao pisar na calçada, quando saímos de algum lugar, nos vemos diante de uma ópera em que tudo acontece ao mesmo tempo: cracudos esparramados na calçada, assaltos, tiroteios incessantes nas ruas e morros... E como todos estamos cientes dos fatos, nem preciso citar mais nenhum aqui. A barbárie que já deveria ser uma fase superada da nossa evolução está aí emparelhando com os computadores e toda uma parafernalha tecnológica que tudo e, ao mesmo tempo, nada pode. Eu cheguei ao cúmulo de testemunhar, há tempos, um assalto do outro lado de uma linha telefônica. Era um bandido que arrancou o celular da mão da minha filha com tanta violência que arrebentou o fone. Depois, esqueceram ou não perceberam a ligação e foram embora com o celular no bolso, enquanto eu ouvia toda a estratégia do assalto com a possibilidade de morte da menina se fosse preciso. E era dia das mães...

Mas, antes que eu me esqueça ou fique difícil introduzir em outra parte do texto mais um parágrafo sobre as diversas fases culturais já vividas, já que falei na síntese de todas elas, sem mesmo enumerar cada uma porque não cabe aqui, gostaria de lembrar pelo menos do Medievalismo. Quem vez ou outra ainda não se viu ameaçado pelo fogo do inferno por alguns cristãos bitolados, recomendando aceitar Jesus em troca de salvação e cura de todos os males? Basta observar os termos e todos os argumentos dos discursos deles para concluir que a Idade Média também está ainda entre nós, de braços dados com o futurismo que não oferece um botão eficaz contra os fantasmas atuantes.

Em um quadro desses, de fases culturais de outros tempos cruzadas com tendências sofisticadas, eu poderia também citar o parnasianismo, o naturalismo e o romantismo exacerbado de Álvares de Azevedo presentes em muitas letras de músicas por aí. Mas, bobagem, a gente pode perfeitamente sobreviver com isso. O problema é a violência. E, nesse caso, deveríamos também poder contar com os representantes que pusemos nas cúpulas dos poderes, mas... Todos eles, ou quase todos, estão ocupados, cuidando dos seus interesses.

Então, foi assim que, no meio das minhas confusões emocionais, fiquei pensando na violência do Rio de Janeiro hoje, depois que soube de mais um assalto nessa cidade. Dessa vez com familiares de um amigo e conterrâneo muito querido, da Vila de São José de Ubá, interior do Rio, que ainda não está no mapa, se não me engano, mas nós somos testemunhas de que não só a cidadezinha existe, como também existiu um tempo de paz, delicadeza, respeito e um cenário rural com carros de bois e aquele homem que vendia jabuticaba em dois balaios atravessados em um burro. Nunca vou me esquecer dessa imagem que, bastando lembrar, já minimiza um pouco as angústias. E é exatamente nessa parte do meu texto que vai entrar minha queixa contra todos os governos que estão de costas pra Cultura, nos negando alimento espiritual e conhecimento, coisa que pode se tornar, aos poucos, um botão eficaz contra a barbárie. O que foi feito dos grandes festivais, dos grandes espetáculos no Maracanã? Cadê a boa música brasileira fluindo na mídia? Cadê a preocupação com a Educação, os jovens, a universidade? Já nos indignamos muito. O meu texto já está enorme. De palavras, já está cansado e atolado o mundo. O que precisamos mesmo é de grandes atitudes.