FOLIA DE PARDAIS

Os pardais chegaram cedo, na maior folia. Não fosse a pandemia , eu diria que eles sequer dormiram, vêm de bailar a noite inteira no Clube do Laço Acriban ao som d' Os Baileiros. Aquele dali tem cara de quem dançou "Paixão morena" agarrado à cintura da morena mais bonita do salão, tão avoado está. Meu amigo Alfredo Leal, caso leia esta crônica, favor confirmar ou não essa hipótese. Não sendo do baile, provavelmente terão vindo das casas aqui da vizinhança, onde dormem e fazem seus ninhos nas cumeeiras e nos forros, atazanando a vida de quem não tem gatos, como eu. Um ou outro podem ter vindo de mais distante, ou seja, lá dos eucaliptos que guardam o velho prédio do Hospital Santa Cruz, esperando, quiçá, a sua reativação.

Vieram todos e se juntaram aqui na minha varanda, às cinco e meia da manhã. Talvez o encontro fora marcado com antecedência e eu não me recordava, já que não sou adepto de agendas. Também poderia se tratar, numa cópia chinfrim, do primeiro encontro dos "Pardais amigos de Bandeirantes", e eu não fora devidamente comunicado, como uma das partes interessadas. De qualquer maneira, como impedir aquela invasão, mesmo sendo o dono legítimo do imóvel, financiado em muitas e não tão suaves prestações pela Caixa Econômica Federal? Simplesmente não impedi, por culpa desse meu coração de São Francisco de Assis. E eles se aproveitaram totalmente disso.

Ligados no 220, esses amigos da Roberta Miranda perseguiram-se uns aos outros, saindo e entrando na varanda, como naquela velha brincadeira de pega-pega americano, em que o pegador corre atrás dos fugitivos. A propósito, brincamos muito de pega-pega aqui em Bandeirantes, em meados dos anos 1970. Como era bom correr pela rua, rir e gritar a plenos pulmões, para baixar a adrenalina. Depois os pardais paralisaram a brincadeira para hidratação na vasilha de água das cadelas, e, no retorno, substituíram a perseguição pela imitação das esquadrilhas de fumaça, fazendo as mais disparatadas acrobacias no lado de fora da varanda, cujas performances me fizeram recordar os aviões da FAB que vinham fazer suas apresentações aqui na nossa cidade, deixando-nos de queixo caído e com o coração na boca. Velhos tempos, novos dias, diria Roberto Carlos, nos anos posteriores à Jovem Guarda.

E mais fizeram os pardais. Serelepes, roubaram descaradamente o aroma dos lírios e o despejaram, gota a gota, no ar, daí tudo em volta recender à perfume, que nem loja do Boticário em shopping. Depois os danados ficaram brincando de escorregador nos raios do sol; comeram ração na vasilha das cadelas; sujaram as roupas no varal; bicaram as folhas da erva-doce no xaxim; perseguiram besouros na grama, e, por fim, cruzaram o muro e sumiram, cidade afora.

Varanda livre e silenciosa, pude finalmente me sentar e iniciar a leitura de "Pantaleón y las visitadoras". Entretanto, ao chegar à página 43, em que Pantaleón Pantoja escreve ao general Roger Scavino para dizer-lhe sobre o "acondicionamiento del puesto de mando y evaluación de lugar aparente para enganche", minha paz foi interrompida pelo canto estridente e sem fim de um casal de joão-de-barro.

Autor: Adeblando Alves da Silva.