OLHARES RECÍPROCOS
Olhares perpendiculares rumam em direção ao mais famoso cruzamento paulistano. Às margens da Ipiranga ouve-se um ruído e, então, um vazio de sentidos. Pouco a pouco, uma multidão se forma, boa parte dela vinda da São João.
Dois olhares. Um oblíquo, de modo que em certos momentos acaba encarando seus próprios pés enquanto reflete suas memórias de dentro para fora, talvez pelo medo de que algum olhar entre de fora para dentro e descubra o que, para estes olhos, é desastroso.
O outro, heterocromático, de tão dissimulado que é nem deveria ser tido por par de olhos, mas conjunto azul-cinza. Segue pela São João, fitando todos os demais, como soldado em guerra, que busca não ser atingido primeiro.
Vaguearam sentindo cada elemento de seus campos de visão, até que ambos saltam e, por um momento, em sincronia perfeita, miram o jovem moribundo no cruzamento. O segundo, então, atira-se à cena fúnebre e, sendo atingido por ela, busca agarrar em qualquer coisa que impedisse a premente invasão.
Para seu azar, ambos se encontram. O que havia dentro do primeiro olhar escorre em forma de gostas do vasto oceano habitado monólogamente por ele e, então, atinge o segundo e o fulmina.
Um segundo foi o bastante para os olhares se sintonizassem. Não era preciso palavras, afinal, a lágrima escorrida do par bicolor de olhos já sinalizava. Fundiram-se e seguiram seus papéis, para o rumo que lhes bastaria, agora, contudo, transformados.