Izaudeth acordou naquela manhã remelenta, com cara de quem queria ficar por mais duas horas na cama que não era tão aconchegante, e ela vinha de uma noite não tão bem dormida. O ronco do marido estragou muitos minutos de sono e a beleza dos seus sonhos. Não reclamava quando isso acontecia. E isso acontecia sempre. Izaudeth tinha se acostumado com a vida, tão limitada. Uma vez entendeu que tudo que estava vivendo não era diferente de uma mistura de formiga com cigarra. Era isso que ela tentava fazer, cantar enquanto trabalhava, ou trabalhar enquanto cantava. Lembrou-se dos tempos de estudo. Foi lá naqueles bancos ásperos de escola improvisada do outro lado córrego, em tempos de escassez e humildade, que ouviu da professora, sua tia, essa estória. Lembrou-se de ter ouvido falar que era uma fábula, nome bonito para causos com lição de moral. O marido não conhecia a fábula, aprendeu apenas lições do Mobral. Ela sabia o necessário para ler e contar. Lia as bulas dos remédios que os dois tomavam diariamente para ir remendando os estragos no corpo e na alma, tentando não partir tão cedo desse plano. Acreditava que do outro lado havia algo melhor. Tinha que ter algo de melhor. Não poderia ser apenas isso. Trabalhar, sofrer, sentir dores, desilusões, e de vez em quando, sorrir um pouco. Gostava do sorriso sincero, daqueles que trazem a beleza do interior. Sentia-se mal diante dos sorrisos falsos, ilusórios, com a brancura apenas dos cremes dentais, eram horríveis. Isso fez dela mulher de poucas conversas e poucas amigas. Mas tinha dentro de si desejos imensos. Eles, os desejos, eram tão grandes, que em sua velha máquina de costura nunca conseguiu fazer um embornal em que coubessem todos eles. Por isso ela faz de tudo para conservar a vida morando no sítio herdado. Não quer partir e deixá-los para trás.