A Fúria do Idai
Manhã alegre de quinta-feira, céu nublado, foi assim que acordamos no fatídico dia quatorze de março de dois mil e dezanove, dia escolhido pelo famoso ciclone Idai para passear a sua classe na nossa bela cidade;
As autoridades governamentais num tom de preocupação iam emitindo palestras através de vários orgãos de comunicação; as igrejas e várias organizações não governamentais também não poupavam esforços de maneiras a sensibilizar o povo a estar precavido daquela que séria a grande devastação. Alguns até vaticinavam um possível desaparecimento total e completo da cidade da Beira devido a uma possível inundação causada pelas chuvas intensas e tendo em conta que ela foi construida abaixo do nível do mar.
A nível dos bairros cada um tentava lutar com armas que dispunha para poder defender se do maldito Idai. Adalberto que vivia no pacato e populoso bairro da Munhava, assistia de forma impavido os seus vizinhos colocando blocos, ferros, estacas, e outros objectos que fizessem peso para que o vento não arrancasse a cobertura das suas residências. Junto dos seus amigos na famosa barraca da zona “A Vida é Urgente” ele dizia: - amigos, essa coisa de ciclone é uma paulada. Disseram que até as doze horas o vento já estaria aqui na nossa cidade, mas até aqui nem sinal, acho que ficou com medo e desviou-se (…risos). Vamos curitir a vontade, a vida é urgente. Os amigos entravam na mesma onda de risos e aplausos como de uma brincadeira se tratasse.
De mansinho, entrei desde cedo na minha residência e tranquei-me aguardando serenamente a chegada triunfal do magestoso ciclone que era motivo de conversa em todas as esquinas da cidade e além fronteira. Quando eram por volta das dezoito horas já se fazia sentir a presença do Idai, a cobertura tremia como se tivessem pessoas por cima do teto a correr de um lado para o outro. Decidi sair da minha residência, e correr para a residência vizinha que me parecia ser a mais segura naquele instante. Passado duas horas, o vento agudizou-se, e como de hábito quando temos uma pequena intempérie a EDM (Electrecidade de Moçambique) entrou em cena e toda cidade ficou as escuras, e os tetos das casas vizinhas voavam tipo papeis e só se ouvia gritos de socorro e choros de crianças e adultos por todo lado.
Cada minuto que passava o vento tornava-se cada vez mais intenso, não dava tréguas para ninguém; animais, árvores, viaturas e residências, todos eram alvejados pelas rajadas de objectos arremessados pela fúria do Idai. Ouvia-se orações e cânticos de louvor por todos cantos, alguns temiam que fosse o fim do mundo.
Por volta da meia noite, o Idai abrandou e quando pensavamos que ele já tinha terminado com o estrago, eis que ele volta com todas as suas forças devastando tudo o que encontrava pela frente. A residência onde estavamos albergado o teto foi brutalmente arrancado pela força do vento, e tivemos que nos esconder no alpendre da varranda pernoitando naquele local em pé, assistindo em alta definição os estragos causados pelo vento. Pela fúria do vento não dava para fazer movimentos de maneiras a recuperar algum material de valor que encontrava-se no interior da residência.
Logo pela manhã do dia seguinte, por volta das quatro horas quando o vento abrandou de forma definitiva depois de uma autêntica passeata pela cidade e arredores, saímos da residência para observar a paisagem, o estrago era enorme, desde as árvores pequenas até as mais robustas todas tinham sido derrubados pela fúria do Idai. Desde as casas precárias feitas de material local até as casas de alvenaria, todas tinham sido atingidas pela força do vento. Postes de energia sobre o solo, cabos eléctricos sobre as águas, estradas interrompidas, casas, igrejas, escolas e várias outras infraestruturas destruidas, era o rescaldo da fúria do Idai, um verdadeiro e autêntico caos. O Idai não poupou a ninguém, não separava os pobres dos ricos, e muito menos os negros dos brancos, todos fomos assolados e tatuados com a fúria do Idai.
Da casa do Adalberto ouvia-se choros, aproximamos para perceber o que havia acontecido, fomos surpreendidos com a notícia trágica da morte do Adalberto, um coqueiro tinha caido sobre a sua residência derrubando uma das paredes laterais que deitou por terra todos os sonhos do jovem rapaz. Pelo alto estado de embriaguez, o jovem nem se quer se apercebeu da fúria do Idai.
Vieram ajudas humanitárias, quase de toda parte do mundo. Faltava um pouco tudo nas residências, desde a água potável, alimentação, velas de iluminação, vestuários, cobertores, até teto para dormir. Tudo no mercado formal e informal disparou, foram trinta dias após Idai de um autêntico martírio à luz de velas. Mas hoje, a cidade da Beira tenta se reerguer, sem ter saudades da fúria do Idai.
By. Lino Manuel Chicamisse