Manhãs de domingo

Para que servem as manhãs de domingo? Esta é a pergunta primeira que me vem nesta manhã dominical. A segunda é: para que servem os domingos? A terceira não é uma pergunta; é desfecho: neste mundo dominado pelas finanças, quão desnecessárias são as manhãs de domingo e —por que não admitir?— quão desnecessários são os domingos.

Alertem o Congresso Nacional e a Organização Mundial do Comércio, para que tomem as medidas cabíveis com vistas a tornar oficialmente os domingos laborais. Chega de informalidade, de passar o pano nos domingos, de dizer e divulgar que domingo é dia de descanso e de alimentar ociosidades. Atualmente domingos, e especialmente suas manhãs, não se prestam a esse fim. Atualmente domingo, mais do que nunca, está dedicado às finanças.

Acordem os que ainda dormem; banham-se, mastiguem com pressa: é domingo —e estamos todos atrasados. Avisem o vizinho mais próximo que não lamente se lhe ocorrer de pensar em trabalho aos domingos. Esse vizinho de bigode, vizinho sério, simples e forte —e todos os outros vizinhos— não devemos esquecer o preço da vida, esta vida urbana e movida pelas finanças. Esta vida laboriosa é a única disponível no Mercado. É pegar ou largar. Decida-se aí.

Eu já decidi. Vou vender minhas galinhas: tornaram-se obsoletas para os propósitos atuais. Já não há espaço para elas na cidade, e como pão anda caro e elas não se alimentam de concreto, será despesa a menos. É claro que as manhãs de domingo, sem o ornamento de minhas galinhas dominicais, não serão as mesmas. Mas nada é sempre o mesmo, haja vista essas manhãs de domingo. Antes eram as galinhas que acordavam as manhãs de domingo; hoje, é o inverso. Hoje são as manhãs de domingo que acordam minhas galinhas.

Minhas galinhas estão despropositadas, assim como essas manhãs de domingo. Assim como as manhãs de domingo, minhas galinhas dominicais já foram importantes e imprescindíveis um dia não tão antes. Hoje, tanto as manhãs de domingo quanto minhas galinhas dominicais, estão fora de moda, arcaicas, ultrapassadas pelas finanças. Vou rescindir o contrato de todas e vendê-las. Não sei se haverá comprador. Que haverá Mercado, como sabem as manhãs cada vez menos dominicais, não há dúvida. Vou vender minhas galinhas, mas não em uma manhã de domingo. Em manhã de domingo vou continuar vendendo ilusão. Eu já decidi.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 06/09/2020
Reeditado em 06/09/2020
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