Ele quer, sim!
Um dia, assisti, na casa religiosa que costumo freqüentar, a uma palestra de um coronel-aviador reformado, grande estudioso das ciências espiritualistas, em que ele tentava demonstrar que um dos erros crassos da Humanidade era personalizar Deus. E é aí que mora o perigo, disse ele. Retirando Deus do seu lugar de Essência Divina, de Infinita Inteligência, com a qual devemos nos sintonizar, pela prática do amor, do bem e da caridade, a fim de auferir os benefícios dessa sintonia, e colocando-o como nosso secretário, sempre disposto a atender os nossos pedidos, acabamos creditando e debitando a Ele os nossos sucessos e insucessos que, em sua maior parte, dependem exclusivamente das nossas ações, do nosso livre arbítrio.
Concordo plenamente com o coronel-aviador palestrante. Só que na segunda palestra que ele fez, choveram protestos sobre as suas declarações anteriores: "Por que o senhor, que é um religioso, veio nos declarar que Deus não existe?" Aí o coitado do palestrante teve que explicar tudo de novo: "Deus existe, mas não da forma que queremos que Ele exista. Deus é a Essência, o que sempre existiu, a Fonte de onde tudo emana, e Essência e Fonte não controlam, não vigiam ninguém, não premiam e nem punem".
Lembro-me disso agora porque encontrei com uma ex-aluna minha que nesse próximo domingo vai submeter-se a provas de um disputadíssimo concurso público:
- E aí, garota, tens estudado muito?
- Quase nada, professor. O senhor sabe, não tenho muito tempo: namorados, praia, baladas; que tempo me sobra, professor, para estudar?
- Mas, pô, então que vais fazer lá?
- Deus é Pai, Deus é Grande, ele vai me ajudar!
Dei uma gargalhada. Uma das minhas famosas gargalhadas. Depois, coloquei suavemente:
- Mas, e os outros concorrentes, neném? Também não devem ser ajudados por Deus? Nesse caso, vai passar todo mundo!
O torcedor do Vasco diz ( e eu digo!): "Vamos ganhar do Flamengo, se Deus quiser". Eu digo, mas não acredito, porque não são só os torcedores do Vasco que devem ser ajudados por Deus; os do Flamengo também (Ah, que chato!).
Moral da história: não sou ateu, sou agnóstico. Por falar nisso, quem se lembra de Jesus ter pregado alguma religião? Ah, eu me lembro! Ele sugeriu: "Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo". Religião sem nome, mas excelente caminho para a eliminação do egoísmo inato do ser humano e do qual as nossas igrejas estão cheias.
Minhas saudosas avó e mãe diziam que eu era “um debochado de carteirinha” e sempre saíam do sério comigo por causa das minhas piadinhas sobre as suas religiões, das quais, ambas, eram fanáticas. Cresci esperto e inteligente, passando em todos os concursos de bancos federais, mas com duas fraquezas principais, complicadas e custosas: bebida e mulheres. A minha carreira de funcionário de bancos federais foi, portanto, muito tumultuada. Além de bêbado debochado e dado a presepadas, era metido a valente e arranjava arruaças em todas as carraspanas que tomava. Além disso, sou homem de pavio curto e não tinha muito saco para agüentar broncas e amolações de chefes e gerentes. Quando as coisas ficavam pretas para o meu lado, fazia um concurso para novo banco, passava, e caía fora, tanto do banco quanto da cidade onde trabalhava. Nesse diapasão passei pelo BB, BASA, BNB, trabalhando em cidades do Maranhão, Pará e Ceará.
Bom, mas o interessante dessa história é que minha mãe, residente no Rio de Janeiro, quando tomava conhecimento de alguma encrenca minha, com conseqüente ameaça de demissão, me despachava cartas enormes, me baixando o sarrafo: “que eu era um doidivanas, um irresponsável, que estava jogando a minha inteligência fora, etc. etc”. Então, eu fazia um concurso e passava, geralmente entre os cinco primeiros lugares. Aí, ela me escrevia:
- Tonico, te ajoelha e agradece a Deus por essa vitória!
Até que um dia não agüentei mais essa cantilena e reclamei:
- Mamãe, que história é essa? Quando eu arranjo uma encrenca, eu é que sou culpado, mas quando eu passo num concurso e nos melhores lugares, aí é Deus quem me ajuda? Quer dizer que, quando erro, erro sozinho, mas, quando acerto, acerto com Deus? Ah, assim não dá!
Não preciso dizer que minha mãe ficou furiosa com essas minhas “impertinentes” observações.
Pois o Tonico, hoje o escritor e poeta Antonio Maria, costuma conversar on line e trocar e-mails com algumas amigas do Recanto das Letras, entre as quais, Maria Paula e Zélia, escritoras e poetisas de mão cheia. E não sei por que essas minhas amigas já descobriram que em matéria de religião eu acredito tanto quanto acredito em políticos ou no Vasco da Gama como campeão do Brasileirão deste ano. Ou seja, nadinha. Talvez tenha sido por causa destes diálogos:
Zélia: - Fique com Deus, Antonio!
Eu: - Ora, Zélia, da minha parte, tudo bem, mas tu tens certeza de que Deus quer ficar comigo?
E, dessa data em diante, sempre que ela manda um: “Fique com Deus, Antonio”, acrescenta logo em seguida: “Ele quer sim, ele quer sim”. E evita a minha debochada pergunta. Muito esperta, a grande sonetista do Recanto, a minha querida amiga Zélia!
E tem a Maria Paula, a cronista-sensação do Recanto, que pega mais pesado do que a doce Zélia:
- Fique com Deus, Antonio.
Eu: - Cá entre nós, como sabes que Deus quer ficar comigo? És secretária particular Dele?
Maria Paula: - Ele quer sim, porque é tolerante e perdoa a todos, mesmo um cabra da peste debochado como tu, Antonio! E Deus te salve de ti mesmo!
Não é preferível que vocês - já que estão mais perto de mim - me salvem, minhas belas amigas?