O pássaro que não voa mais

Ele chegou em meados de 1970. Era muito doente, talvez nem tanto, mas foi isso que me contaram. Seus membros não se mexiam. Ele havia sofrido uma grande queda, daquelas que te quebram por dentro. As quedas sempre te esmagam. Pássaros foram feitos para voar; uma vez que não se pode mais voar, era para se deixar de ser pássaro. Mas, não é tão simples assim. A alma voa mais do que as asas. Quando se tem alma de pássaro, é difícil não querer voar. A vontade de voar é latente, pulsa forte, chega ser uma dor. É muito triste não poder voar depois de se ter ido tão alto, de se ter visto tudo de cima. Sofre menos, quem menos sabe. O saber te torna responsável por aquilo que, muitas vezes, não se tem solução, não se tem libertação. Ai que dor. A solidão tem gosto de fel. Amarga até o fim da alma, mesmo que seja alma de pássaro.

Então, ele falava pouco e escutava mais. Houve um tempo em que ele falara muito.

Observei tudo aquilo. Pude perceber que o silêncio é a tradução da palavra desistência. Muitas vezes, se cala, não por vontade de se calar, mas por cansaço, por desilusão. Esse era um pássaro que tinha sido cantador; desafinado, talvez, mas cantava. Cantava ligeiro, cantava sem tom, com ou sem motivo, mas, o interessante, é que ele ainda cantava. Cantava os sonhos, os anseios, as dores e as esperanças. Agora, esse pássaro não canta mais, não voa mais.

Fui acompanhando de perto aquele pássaro. Convivi com ele. Ele chegou pra mim, em meados de 1970. Para ser sincero, ele foi parando de voar. Quando o conheci, ainda se arriscava, mesmo que não indo tão longe. O pássaro havia deixado pra trás o seu ninho, suas raízes, seus costumes. Ele conheceu umas aves doentes, acho que foi aí que ele adoeceu. Ele que, em sua infância, fora feliz e tivera grandes anseios, que possuíra um céu como um grande infinito, agora vive em um pequeno quarto.

O pássaro nem abre mais as janelas.