Não consigo entender essa fixação que as pessoas têm pela felicidade.
Parece uma obsessão doentia revelada como uma neurose existencial ou uma psicose.
Uma verbalização, em primeira pessoa, como se fosse pirraça de criança, sem a devida racionalidade esperada de um adulto:
- Eu quero ser feliz! Eu vou ser feliz! Eu busco a felicidade!
Só se compara à NASA na tentativa de provar vida em Marte.
É como se a felicidade fosse um pote de ouro no fim do arco-íris. Ninguém nunca viu, mas acredita em sua existência por causa dos contos de fadas e seu final feliz.
Uma espécie de resguardo do futuro, numa gestação que nunca acaba, onde o pai da felicidade (que também é mãe) acompanha por ultrassom mental o desenvolvimento do feto:
- Quando nascer, minha felicidade, será um momento extraordinário! Farei celebrações, apresentarei para a sociedade, (...).
Felicidade não estampa camisa, nem é hasteada como bandeira: todos de pé, posição de respeito, não erre a letra do hino!
Não é prescrição médica cuja receita se manipula em farmácias e os frascos vem com rótulos e seu nome timbrado:
- Moça, eis aqui sua felicidade! Tome no horário prescrito, mas se por ventura se esquecer, tome assim que se lembrar! Não é aconselhável ficar sem a cápsula. Todo medicamento retido tem algum grau de dependência.
Tampouco é receita de bolo com as dosagens corretas de cada item, medidas em gramas, acrescidas de fermento, ao fim, para crescer.
Felicidade é bola murcha sendo enchida com esforço por uma bomba. Daria pra fazer com o ar direto dos pulmões, mas não carece de tanto esforço, a leveza garantiria o gozo.
É casa cheia de amor, apesar dos conflitos de conviver com o diferente.
É sorvete gelado em dia de sol quente na mais sociável local da humanidade: o litoral.
Tempero verde em comida sem sal. Dá sabor, sem fazer mal.
É vento soprando o cabelo e fazendo a visão se perder por alguns segundos.
Não é como jogar uma moeda pro alto e esperar cair coroa e sustentá-la na cabeça imaginária.
É receber flor de criança numa atitude espontânea carregada de carinho.
É corrida pro abraço guardado na varanda da saudade.
Quem não se acostuma com a felicidade em compotas perde a vida buscando-a no inconsciente imaginário de uma fantasia cheia de cores, mas revelada em preto e branco.
Felicidade é ter com quem gritar suas penúrias sem julgamento.
É rir de si mesmo, quando por distração, coloca o leite na lixeira e o lixo na geladeira.
É feliz quem chuta o balde e descobre que vai ter que limpar a água derramada.
Quem esvazia “o saco cheio” e depois vai resgatando com humildade, aquilo que sentiu falta.
Não cabe felicidade na lógica matemática em que dois e dois são quatro. -Dois e dois são 22, meu caro! Contesta?
A felicidade então como livro seria a ideia do autor sendo interpretada por quem o lê.
Felicidade não marca hora e nem perde tempo.
Desce na primeira estação, perde o metrô e volta pra casa, sem euforia:
- Amanhã é outro dia!
E já que não depende de regulamentação específica para gozo pleno pode ser vista por aí no sorriso largo de quem não desiste... De quem insiste. De quem resiste a dura penas as rasteiras da vida:
- Já se levantou hoje? 



 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 04/09/2020
Reeditado em 05/09/2020
Código do texto: T7054548
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