Fluidez
Foi o nome que eu dei a compreensão que me chegou depois de um dia exaustivo em que cheguei em casa e o máximo que consegui fazer por mim, foi me dar banho, me oferecer um chocolate quente, hidratar a minha pele saudosa de um carinho, deitar na cama com lençol recém trocado e ainda cheirando a amaciante. Acendi uma vela, apaguei as luzes e estatelei na cama. A tristeza me fez visita e eu não deixei de acolhê-la, não desta vez.
E enquanto eu a sentia, latente, buscava mentalmente dar nome, compreender o que ela insistia em me dizer. E de repente com os olhos fixos na chama da vela que se consumia e vagarosamente iluminava o quarto eu chorei. Chorei para expulsar. Chorei para me autorizar a sentir. Chorei de novo, o choro dos sensíveis. Enquanto chorava eu ia aos poucos assimilando a potência daquele momento. Eu ia, aceitando sentir e quando eu aceitava aquilo ia me expandindo. Então acessei: o controle. O bendito controle que não tenho, mas insisto em possuir. Na iminência de perder o controle das minhas emoções eu tentei ainda ter controle sobre o fato de não controlar o meu sentir. Que viagem! Que rolê! Foi nesse instante que eu me dei conta de que flertar com a água significava em alguma medida aprender com algo que ela tentava me mostrar e eu não percebia. Como a água que descia incrivelmente pelas cachoeiras que eu adoro contemplar. Como a água que desce mansa e paciente pelo rio que cresci admirando. Como a água que naquele momento descia dos meus olhos. Havia algo a aprender... Era necessário fluir. Deixar de conter. Dar vazão. Não reter. A natureza é uma metáfora viva. E eu amante das metáforas, por um momento não pude compreender que o fascínio pela a água tinha muito a ver com uma lição que eu precisava assimilar. E foi então que eu saquei que era chegada a hora de me desfazer da rigidez com que eu me tratei até aqui. E foi então que eu precisei reconhecer que minha resistência e todo o meu falso controle estavam me impedindo de ser, de fluir, de desaguar. Como a água eu preciso aprender a ser paciente. Como a água eu quero aprender a recuar e dar a volta, quando algo impedir a minha passagem. Como a água eu só quero fluir mansa e entregue... . Por onde houver passagem. E onde não houver que eu encontre ou abra. Que como a água eu seja maleável. Que por ser de água eu jamais tente conter a água que jorra em mim e de mim.