Prisão aberta

Ouviu um assobio ao longe, fraco. Seguiu o canto, encantado com a rouquidão e a voz grave e, ao aproximar-se, pensou reconhecê-lo, mas trazia uma melancolia que não condizia com suas lembranças. O canto ficara mais perto, mas seguia fraco e, ao avistar sua fonte, percebeu tratar-se de um la-mento. E o pior, reconheceu sua fonte.

Aproximou-se silenciosamente e avistou-a amuada e solitária no canto da gaiola. As penas perderam o brilho e pareciam pesar sobre seu corpo pequeno e frágil. Uma aflição irradiou por todo seu corpo desaguando em seu coração, paralisando suas pálpebras e emudecendo seus pensamentos. Ela virou a cabeça, arregalou os olhos e cessou seu pedido de socorro: “sabia que você viria!”.

Permanecera incrédulo. Em nada se parecia com o pássaro que voava invejosamente alto e realizava manobras capazes de escandalizar qualquer manual. Lembrava-se dela original, forte, destemida, livre. Conectaram um duradouro olhar de cumplicidade até que o sol esverdeou seus olhos e ele vislumbrou a vida pulsante de outrora no interior daquelas pupilas opacas.

Ela lhe confidenciou que conhecera um pássaro-cetim e ficou tão encantada por seu cortejo e seu caramanchão que aceitou o convite para conhecê-lo. Demorou a perceber que se tratava de uma armadilha. Primeiro ele a convencera de que tudo não passava de um zelo excessivo: “eu cuido do que é meu!”, orgulhava-se possessivamente, fazendo-a se sentir acolhida e protegida. Em seguida, ele passou a arrancar-lhe as penas mais vistosas para que não despertasse os interesses de outras aves maldosas. Afinal, ele a amava pelo que era e não pelo que exibia. Depois, passou a desencorajar as saídas da gaiola alertando-a para sua incapacidade de lidar com o mundo fora daquela redoma segura. E, finalmente, a fez acreditar que era incapaz de ser admirada, desejada e respeitada por outro pássaro que não ele. Assim, acomodara-se a ver o mundo por entre listras e que era um gesto de amor receber a mesma migalha diariamente.

Ele ouviu a tudo atentamente e, angustiado, perguntou o que a impedia de sair daquela prisão. Ela repetiu o discurso que passou a viver e assumiu o medo de não encontrar uma gaiola melhor do que aquela. Ele estendeu o braço apresentando o horizonte que se expandia do outro lado das grades: “você não precisa de nenhuma gaiola com tantas árvores aqui fora”. Ela titubeou: “mas a porta está sempre fechada”, ao que ele constata: “não há trancas na porta, você vive em uma prisão aberta, refém das grades que sua insegurança materializou”.

Ele aproximou-se cuidadosa-mente, abriu a porta lentamente e aguardou. Ela dirigiu-se à liberdade e, vacilante, olhou para trás e, em seguida, vislumbrou o mundo que se descortinava e procurou seus olhos em busca de coragem. Ele disse: “sou apenas um homem, não posso voar por você. Seja a Fênix que precisa ser, voe, queime e renasça!”.