Três Pratos

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Hoje no almoço comi um prato de feijão, arroz e banana; combinam muito bem. É quinta, cozinhei-os na segunda-feira em boa quantidade para as refeições que faria durante a minha estada em São Paulo, hospedado no apartamento do meu filho mais velho. Vim para comemorar os seus trinta e sete anos.

Lembrou-me de quando era garoto: tinha em casa todos os dias no almoço. Gostava tanto que comia uma , duas vezes somente o arroz com feijão.

Quem fazia essas delícias naquele tempo era Dona Angelina, a caseira que morava conosco. Seu marido, o "Gigio" (apelido de Luiz em italiano), era nosso motorista. Eram de Araras, cidade do interior paulista e descendiam de italianos. Ela cozinhava maravilhosamente bem. Fazia um feijão temperado com salsão e alho - uma coisa de se lamber os beiços - e um arroz branquinho, também no alho. Uma sensacional combinação e para mim, o manjar dos deuses.

Às vezes, eu viajava com meu pai para o interior do estado. Era sócio do irmão em uma rede de cinemas, com algumas salas em cidades como Araras, Leme e Mococa. Íamos em um Ford "Galaxie" pilotado pelo Gigio, meu pai no banco traseiro e eu no do carona. Aquela "banheira" rodava macia e suavemente pela Rodovia Anhanguera de pista única.

Uma vez, indo para Araras, levei dois amigos. Chegamos pela hora do almoço. Lá tem até hoje um restaurante de nome "Vantin", com a sua comida caseira deliciosa - arroz e feijão - é claro, muito parecidos com o da Dona Angelina, mas nunca igual.

Lembro-me bem desse dia, fomos almoçar nesse restaurante. Meu pai o adorava. Estava eu faminto e comi três pratos de arroz com feijão, fora a bisteca de vaca e as batatas fritas que acompanhavam. Meus amigos não acreditaram na minha comilança.

Anos depois, um cliente de Araras que se tornou grande amigo, contei-lhe a história dos três pratos de arroz com feijão, perguntando-lhe se o restaurante da minha infância ainda existia na cidade.

-Sim, claro! O "Vantin" morreu e quem toca agora é um antigo garçom que talvez você conheça. Vamos lá?

Fomos e estava igual. Ficava na mesma esquina de uma das avenidas principais da cidade, com a mesma entrada e salão, enfim tudo como naqueles tempos em que frequentava com meu pai. E a comidinha, iríamos verificar se continuava igual.

-Incrível, é o mesmo !- falei.

Meu amigo chamou o novo dono, seu conhecido. Ao vê-lo, o reconheci, agora mais velho, mas suas feições, sorriso e jeito eram os mesmos.

Contei-lhe a história, lembrou-se e sorrindo disse:

- Seu Fernando vinha sempre. Ele adorava as bistecas e as queijadinhas.

- Sim agora que falou,me lembrei delas. Eram deliciosas.

- As tenho também.

- Perfeito, serão a sobremesa.

Sentamos à mesa, de toalha de pano xadrez azul e branco com talheres e pratos simples. Aguardei ansioso a comida de meus cinquenta passados. O cheiro pelo salão era um perfume inebriante, dava água na boca. Veio a refeição da cozinha servida da mesma forma: salada de alface, tomate, cebola em uma bandeja de inox; o feijão e o arroz fumegantes e cheirosos em outras duas de cerâmica e as bistecas com as batatas fritas em outra de inox. Muito "bem servido" como é costumeiro nesses lugares de comida caseira.

- Vou comer só o feijão com arroz agora -falei para o amigo ararense.

Coloquei no prato primeiro o feijão com bastante caldo espesso e marrom, quase uma sopa e por cima, o arroz. Dei a primeira garfada, fechando os olhos para sentir melhor o sabor.

- Delicioso, o mesmo gosto de tantos anos atrás. Que coisa boa!

- Vai comer três pratos? - perguntou o amigo.

-Não. tenho que deixar espaço para as queijadinhas, não é?

Deliciei-me, lembrando quão gostoso era esse sabor simples e viciante, inigualável. Não comi três pratos, mas dois, sendo o segundo com a bisteca e as batatas. Maravilhoso foi o nosso almoço.

Como sobremesa, as queijadinhas, macias e úmidas, com café passado no bule. Tudo igual àquele meu tempo de criança.

Veio o novo dono a nossa mesa, interessado em saber se estava como antes:

- Sim, incrivelmente igual! A comida continua uma delícia. Parabéns! - disse-lhe satisfeito e feliz.

- Venha sempre. Hoje são meus convidados, não lhes cobrarei, pois, seu Fernando era muito querido, sempre me dava entradas do cinema onde eu adorava ir.

- Muito obrigado! Voltarei mais vezes, com certeza, pois foi uma época muito gostosa de minha infância que relembrei agora aqui.

Comprei um pacote de queijadinhas e as levei na viagem de volta.

Coincidentemente, no dia trinta de julho fez duas décadas do falecimento do meu pai. Saudades!

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 01/09/2020
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