Capelleti In Brodo

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Sai para caminhar pela manhã naquele dia ensolarado e seco do "veranico" de agosto que imperava na cidade.

Viera para São Paulo para o aniversário do meu filho mais velho e ficaria mais uma semana, por causa da pandemia ter recrudescido na praia em que moro em Florianópolis, sendo fechada por quinze dias.

Defini o roteiro assim: iria do apartamento de meu filho, lugar em que me hospedo e que fica em frente ao Mackenzie, subiria em direção à Avenida Paulista e desceria na volta a Rua Augusta rumo ao Centro. Seria um percurso de cerca de 4 km e que provavelmente faria em uma hora.

Caminhei curioso pelas ruas e avenidas observando as muitas mudanças ocorridas, as novas construções de edifícios residenciais e comerciais e os novos bares, restaurantes e lojas, pois fazia algum tempo que não passava por ali.

Cheguei à esquina da Av. Paulista com a Rua Augusta, iniciei a descida de retorno e vi o "Frevinho", um bar e restaurante famoso por seu incomparável "Beirute", o sanduíche árabe primo do Bauru. Considero o melhor da cidade, com seu chope espumoso e denso, que os garçons chamam de "rabo de peixe", pelo formato do copo.

- Funciona há uns cinquenta anos nesse local, frequentei muito e mantém o mesmo padrão pelo visto - pensei.

Segui caminhando, passei pela loja de sapatos italianos La Pisanina, antiquíssima e também no mesmo local, com os seus famosos mocassins trabalhados em couro, que nos anos sessenta, setenta eram usados pela juventude. Nessa mesma época havia outra loja de sapatos, de nome Spinelli, italiana também, que fazia sapatos lindíssimos e caros, os preferidos da moçada rica, mas que fechou depois de o dono falecer. Ficava no trecho nobre da Rua Augusta, o dos "Jardins". Seus sapatos eram sonho de consumo de muitos.

Estava agora no lugar da mundana noite paulistana, no "Baixo Augusta", como é popularmente conhecido e chamado esse trecho da rua por causa das bares e boates ali localizadas e pela sua frequência.

Lembrei-me então de uma rotisserie que existia quase ao final daquela parte da rua. Ia lá com meu pai para comprarmos massas frescas para os almoços de domingo e comermos as famosas coxas creme e empadas. Bologna era o seu nome.

-Será que ainda existe? Deve ter mais de cinquenta anos, com certeza.

Segui curioso em busca do local do qual lembrara, admirando os novos e altos edifícios no lugar das antigas casinhas geminadas que antes existiam, foi quando o avistei à frente e na mesma esquina: o Bologna.

-Não acredito, existe ainda e no mesmo lugar. Incrível!

Atravessei a rua e fui até lá para revê-lo e também porque fizera um caldo de músculo com legumes dois dias atrás:

-Ótimo. Vou aproveitar e comprar o capeletti que meu pai comprava comigo aos domingos, para fazer o meu brodo com o caldo em casa.

Entrei no local, higienizei as mãos com álcool em gel e olhei por todo ele. Estava bem modificado pelas reformas feitas. Fui ao balcão e perguntei para a atendente:

-Bom dia, tudo bem. Tem capeletti?

-Temos sim. De carne somente.

-Perfeito.

-Quanto o senhor quer?

-Uns cento e cinquenta gramas.

-Um minuto que lhe trago.

Enquanto a aguardava, passeei até a vitrine em que estavam os salgados alinhadas e convidativos : a famosa coxa creme de frango com as empadas ao seu lado, igual à da minha infância.

-Aqui está - diz a moça entregando-me o pacote.

Agradeci, dirigi-me à caixa e entreguei-lhe a comanda. Enquanto ela processava, vi escrito em enormes letras, no grande espelho que revestia toda a parede ao fundo, a seguinte frase: Bologna, dal 1925, ou seja, Bologna, desde 1925. Quase centenário, com noventa e cinco anos de idade.

-Pois é, tudo envelhece. Paguei e sai para a rua, tirando uma foto de recordação.

Enquanto voltava para o apartamento, ainda pela mesma "Baixo Augusta", passei por mais outros locais marcantes de minha infância e adolescência, ainda existentes, como o restaurante "Piolin" e o novo Ca'd'Oro, em prédio altíssimo construído no mesmo local do antigo, com o chique restaurante no hotel de mesmo nome, em que, conforme meu pai, fazia-se o melhor rim de São Paulo. Mas nunca frequentei o local, nem comi esse prato.

-Caramba, tudo envelhece mesmo. Os lugares que frequentei são todos cinquentenários ou quase centenários!

Já em casa com o pacote da massa sobre a mesa, reflito sobre o passeio:

-Foi muito bom relembrar estes lugares marcantes na minha história, pois mesmo com tanta idade, as lembranças nunca envelhecem.

Então, lembrei que estou quase septuagenário.

Tudo envelhece mesmo. Até eu!

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 01/09/2020
Código do texto: T7051729
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