Hugo morreu na ensolarada quarta-feira em que ninguém estava interessado em velório. Voltava para casa sem saber o porquê depois de ter ido à vila sem ter noção do que foi fazer lá. Almoçou cedo como de costume, deixou a mulher de tantas colheitas e partiu a pé, estava vivendo dificuldades tantas que nem sequer uma magrela e nem um animal. O negócio era enfrentar a estrada poeirenta na canela. Nada havia encontrado nas duas ruas que formavam o pequeno aglomerado urbano, umas trinta casas que abrigavam umas noventa pessoas. Apenas galinhas soltas e dois porcos o viram, além de senhoras pelas frestas de suas janelas. A vendinha fechada, não tinha nem pinga para o sujeito de sessenta e poucos anos. Desanimado, com vontade de fazer nada, voltava para casa quando resolveu sentar à sombra de uma árvore frondosa. Viu formigas trabalhando incessantemente. Lembrou que trabalhara a vida inteira por aquelas cercanias e nada conquistou além de dores pelo corpo todo. Seria ele uma formiga com forma humana? Antes fosse. Não era formiga, não tinha sequer uma rainha. Não tinha outros desgraçados na vida como ele. O mais pobre naquelas paragens tinha uma bicicleta, uma moto, uma égua. Ele nada. Só a tosse seca que não largava seu peito, uma dor no joelho que o acompanhava há quatro anos. Comia pouco para que sobrasse para a esposa e para o dia seguinte. O pasto estava ralo e não alimentava mais o gado que nem era seu, o céu azul não era cortado por nenhum pássaro. Longe, bem longe, um avião carregando gente que não conhecia aquele lugar. Os olhos ficaram fracos, não conseguiu ver o pasto amarelo, tudo foi escurecendo. Ele teve tempo de se ajeitar, encostar ao tronco grosso e morrer. Três motoqueiros passaram correndo e nem repararam que o homem não tinha mais vida. Foi seu compadre que passou ao acaso por ali, incomodado com o homem estático, que constatou o falecimento de mais uma história sem grande relevância. As formigas seguiram trabalhando.
DA SÉRIE: O ABECEDÁRIO DA RELUTÂNCIA HUMANA