Um Sinal a Mais

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Meu filho mais velho completou trinta e sete anos e fui comemorar com ele viajando de moto para São Paulo, em um sábado anterior à data. A viagem foi ótima, tranquila, em dia limpo, seco e quente de inverno. Tão boa que pouco cansei, já que as nove horas de estrada normalmente me exaurem. Estou com sessenta e seis anos, não sou mais um garoto.

Fui para o seu apartamento, onde me hospedo. Mas ele estava na praia e viria somente no dia do seu aniversário.

Cheguei no meio da tarde de sábado. Lépido e animando tomei um bom banho e mandei mensagem para meu filho mais novo, casado, para nos encontrarmos à noite para uma pizza em sua casa e "matarmos" a saudade. Estava salivando por uma de gorgonzola, alice ou calabresa com bastante cebola.

Em Florianópolis, local em que moro, é raro encontrar uma boa pizza regada por bom azeite de oliva. Lá, o costume é colocar ketchup, mostarda e maionese, também sabores como coração de frango, estrogonofe e doces, que adoram, são usuais.

Combinamos e comenos as deliciosas redondas bem paulistanas e inigualáveis, em conversa animada. Após o jantar voltei ao apartamento e dormi como um bebê.

Na sexta-feira, depois do aniversário, também veria minha mãe e irmã, já que sempre as visito ao vir para São Paulo. Estão na Holambra, cidade do estado em que mora minha irmã e minha mãe está em casa de saúde.

Nesse dia saí cedo, de moto, para lá, com sol quente, não parecendo inverno. Fui tranquilo. Passei o dia com minha mãe. Tive que tomar banho e trocar de roupa lá, me paramentar com capa, luvas e touca plásticas para que pudesse abraçá-la e ficarmos pertinho. É o protocolo e deve ser atendido pelo alto risco de contaminação dos idosos que vivem no local. Foi ótimo dar-lhe abraços carinhosos. Sente muita falta de meu pai e diz que o meu abraço é igual ao dele.

-Sinto muita falta do seu pai. E você me abraçando faz matar um pouco a saudade. Sessenta anos juntos - diz.

O Contato com o seu corpo débil e frágil e a seda do seu cabelo branquíssimo, emociona-me.

Resolvi voltar no domingo e dormi em uma pousada tranquila e simples perto da casa da minha irmã, com quem jantei naquela noite.

-Mamãe está bem saudosa do papai, não? Toda vez que a abraço, diz que se lembra dele, ficando bom tempo assim comigo - comento durante nossa conversa à mesa.

-Pois é, e agora no final de julho fez vinte anos que faleceu. Tenho também saudades dele - responde ela.

-Eu também.

No domingo cedo, ao subir na moto rumo à capital, lembro-me novamente dele. Há alguns anos, joguei parte de suas cinzas ao pé de uma árvore, no canteiro a beira da estrada e deixei uma inscrição em sua casca. Periodicamente a visito, mas fazia tempo que não.

- Irei lá dar-lhe um abraço. Ele merece - penso.

Cheguei e fui até a árvore, agora crescida e de caule engrossado. A data com a inscrição "Pai", não existia mais, pois a casca descolara e caíra no mato a sua volta.

-Vou escrever de novo - penso, já pegando o canivete que trago no bolso da jaqueta.

Escavei o tronco dela por um tempo. Talvez estivesse assim esbelta e vivaz pelas cinzas jogadas em suas raízes. Terminei a inscrição "Pai" com a data desse domingo.

Dei-lhe um beijo querido de despedida. Estava feliz por encontrá-lo forte e firme no lugar em que sempre gostou de estar, junto de árvores e na estrada, pois adorava viajar. Herdei essas suas características, mas ele não gostava muito de moto.

- Beijo nono querido! - disse-lhe carinhosamente, montando na motocicleta para São Paulo.

Na estrada, vi que precisava colocar gasolina. Rodei mais lento, aproveitando a paisagem realçada pelo dia claro e ensolarado, com a luz invernal destacando suas cores vivas e então vejo um par de tucanos, atravessando o céu acima e a minha frente.

- Tucanos de novo - espantado ao vê-los inesperadamente, voando com seu bico longo caraterístico. Os encontrara algumas vezes em outras estradas e da mesma forma: cruzando comigo exatamente quando passava de carro ou de moto. Observei-os pousarem em um eucalipto alto na beira da estrada, em lado oposto ao meu.

- Será um sinal a mais do meu pai?

Mantemos "contato" através das flores das quaresmeiras, a sua árvore. Aliás, é época de sua florada de pétalas roxas, que, às vezes, caem quando passo por elas. Agora os tucanos. Talvez, ao passarem por mim, sejam como anjos da guarda, protegendo-me dos acidentes. Quem sabe?!

Esses encontros fortuitos me confortam e sensibilizam.

Um sinal a mais! Sempre comigo, pai querido.

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 31/08/2020
Reeditado em 05/09/2020
Código do texto: T7050962
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