Há a Cinquenta Anos

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

A SAÍDA

Em 1969 migramos do Nordeste do Brasil, cidade de São Raimundo do Doca Bezerra (MA), para o Centro Oeste, Campos Belos (GO).

Eu com os meus familiares, aos onze anos.

Difícil de entender, mas pode ser verdade…

Me vem à lembrança ter sido mesmo 14 pessoas. — Cinco adultos, três meninos, seis meninas, e outros pertences da família nessa viagem que fizemos…

A condução era um Jeep Willys antigo, com tração 4x4, seu Antônio era o chofer experiente da 'máquina'.

Natanael Vieira e Isabel Vieira, meus pais. Francisca Gomes Vieira — avó materna; Francisco Vieira (o Chiquinho), sobrinho do pai e, demais irmãos…

Fora um enorme sacrifício de todos nós, viajantes, para chegarmos com vida à distante terra prometida.

Numa mala verde, de madeira, plotada em texturas que lembrava florais, aconchegava as vestimentas e o sonho da família…

Latas de 18 litros conduziam a provisão para o caminho. Farofas de carne de frango, porco, boi...

Na cidade de Floriano (PI), divisa do nosso estado maranhense, atravessamos o grande Rio Parnaíba numa balsa, puxada por fortes cabos de aço.

Choveu em algumas partes do percurso que fizemos… Maranhão, Piauí, Bahia, Goiás.

Viajávamos até certas horas da noite, depois uma pausa merecida para o descanso noturno, num ermo qualquer...

Dia após dia um fogo nas trempes de pedras e café feito por mamãe. — Com farofa.

Em seguida, a mesma toada do dia anterior…

Eu cochilava a cada jornada, com as pernas pelo lado de fora da tampa traseira do veículo.

Lembrava-me do que havia deixado para trás: a terra, a escola, os amigos, a primeira roça…

O meu irmão: a namorada… Os adultos, por certo sentiam o medo do desconhecido…

AS SURPRESAS

Numa nebulosa noite, no território piauiense, na região do Bom Jesus do Gurguéia, Corrente do Parnaguá, uma grande chuva torrencial, que Deus dava, acontecia…

Os limpadores do parabriza não davam conta de atender as suas funções…

Repentinamente a velha estrada de rodagem não dava mais acesso a lugar algum: a frente, um grande rio cruzava o nosso caminho.

O pai desceu do Jeep e, com uma vara que encontrou avançou à imensidão aquática a procurar uma suposta ponte submersa.

Os faróis ligados não clareava a inocência daquele homem a enfrentar a fúria das águas, à sua cintura.

Por fim conseguiu a façanha: achou a ponte.

Guiava o motorista ao espeta-la com a vara.

Como por um milagre atravessamos 'esse vale da sombra da morte'.

Depois do enfrentamento ao perigo dormimos do outro lado do rio.

Por quê? não esperamos as águas baixarem, para atravessa-lo?

Por um nada não descíamos rio abaixo.

Ao chegarmos em Barreiras (BA), pernoitamos na casa do tio Paulo Vieira às margens do Rio Grande.

Fiquei encantado com a sua criação de marrecos com os patos domésticos.

A princípio, o destino da nossa viagem seria na cidade de Taguatinga de Goiás (GO), atualmente Tocantins.

Estava previsto ao pai assumir a gerência de uma empresa de combustíveis fósseis de Isaias Vieira, o seu irmão, nesta localidade. Em conversa com o mesmo modificou o nosso destino. O final da rota estendeu-se a Campos Belos. — Onde residia um outro irmão do pai, o Francisco Vieira Sobrinho (o Vieira) — Desde 1965.

Na cidade fomos recebidos pelos céus, em boas-vindas, com chuva suave… Bem acolhidos por sua população.

Não me lembro de quantos dias gastamos na viagem. Creio ter sido uns quatro ou cinco dias.

Chegamos em Campos Belos nos meses que chovia bastante por lá. Dezembro a janeiro…

Num velho pé de manga, nós, os meninos, escrevemos com ponta de faca o ano que chegamos a cidade: 1969 — Há exatos cinquenta anos.

*Nemilson Vieira de Morais

Gestor Ambiental/Acadêmico Literário.

(01:01:20)