CAPTURANDO MELANCIAS NA PRAIA
CAPTURANDO MELANCIAS NA PRAIA
Aventuras de criança
Autor: Moyses Laredo
Nos fundos do Mercado Municipal em Manaus, em épocas de seca, formava uma imensa praia, de areias brancas e limpíssimas, e lá, os produtores ou os atravessadores, de frutas, e outros produtos, costumavam expor em pequenos montes na praia, era uma forma barata de vender o que produziam, cada um dos vendedores se mantinha ao lado outro, porém, guardavam uma pequena distância entre si.
Durante o dia, nada anormal, só o movimento de carregadores abastecendo os motores de linha e mais os passageiros, aquele burburinho de sempre, de gente que vem e gente que vai, mas, durante à noite, muda de cenário, de repente, aquilo tudo sumia, até parecia que era outro lugar, de tão calmo que ficava.
Cada um dos vendedores de frutas colocava uma lamparina no alto do seu monte, de modo a alumiar apenas suas frutas. Pois bem, o pessoal das melancias, fazia o mesmo, ficava bem melhor ver todas elas que parecia também um grande monte para quem visse de longe.
Ao longe, e do alto, a gente via aquelas luzes espalhadas, serpenteando na praia, parecendo um grande arraial, o local ficava muito animado com a perambulação das pessoas, nas areias limpinha da praia, a procura das frutas e verduras que lhes eram oferecidas a preços módicos. Se transformava até coisa de programa doméstico naquela época. Quando a gente resolvia comer, não, digo “comprar” melancias, era que aconteciam as coisas. Morávamos na Rua Visconde Mauá, não muito longe do Mercado Principal. Chegava junto ao Gilson, amigo de tantas presepadas lá da rua, mais novo e mais ingênuo, e perguntava-lhe se ele queria ir comigo “comprar” melancias no mercado, ele topava na hora, adorava sair em aventuras comigo, a gente ia por volta das 6:00h da tarde, logo depois do jantar, eu dizia para mamãe que ia brincar um pouco na rua, antes de dormir ela só dizia, volte às nove, amanhã você tem aula. Pronto! Selava o meu passeio, tinha que ser rápido para ter uma aventura legal, por isso tínhamos que sair mais cedo para ver no claro como era a arrumação das “pilhas” deles (montinhos de melancias), depois, era só deixar escurecer para agir.
A coisa funcionava assim: Eu levava uma linha de pescar (linha cumprida) como diziam os cabôcos, daquelas de piraíba, precisavam ser linhas bem fortes, que aguentassem peso mesmo, na ponta, amarrava um anzol, também dos grandes, o Gilson ficava sentado na areia a uma boa distância, escondido pela escuridão segurando a ponta da linha, e eu, levava comigo o lado do anzol grande, partia direto para o montinho de melancia escolhido.
Ao chegar junto, soltava o anzol na areia, e afundava um pouco com o pé, antes de me aproximar do vendedor, em seguida começava o “cerca Lourenço” das perguntas triviais de comprador, começava perguntando os preços, dessa, daquela, assim o caboco animado, ia me acompanhando, batendo com os nós dos dedos em cada uma que eu apontava, informando o valor, ao mesmo tempo em que falava, eu ia dizendo que essa era cara, essa era pequena e coisa e tal, de modo que a gente ficava dando voltas completas nos montes, mas, na verdade, estava escolhendo a melancia certa, só dizia pro cabôco, - “Essa é das boas né seu minino?”
Quando então, identificava a melancia que queria, me afastava do cabôco mostrando desinteresse, pegava o anzol e enfiava bem fundo na bichinha, depois dava uns puxões na linha para o Gilson entender (esse era o nosso sinal) ele “colhia” a linha de volta para si, e ai, a melancia saia deslizando suavemente pela areia, deixando um rastro liso característico de uma cobra se arrastando, só que em linha reta, cobra estranha pra quem conhece rastro de cobra, o importante era, que a melancia ia bater certinho nas mãos do Gilson, sem ninguém notar nada, naquela escuridão medonha, serviço perfeito.
Às vezes, a agente comia uma lá mesmo, a primeira que se fisgava, as outras, trazíamos uma pra mim outra pro Gilson, aliás, ele sempre me perguntava por que eu “comprava” desse jeito, e não, como fazia a mãe dele, que carregava na bolsa, eu dizia pra ele, porque era muito pesada e puxando ficava mais leve, pronto! Isso o convencia na hora.
Um belo dia, sem que ninguém percebesse, uma velhinha muito ágil, que passava por perto meteu-se no meio do caminho da melancia “fujona”, enquanto o Gilson ainda “puxava” a bichinha, a pobre mulher viu a melancia andar sozinha na praia, não entendeu o que era aquilo, parou, olhou espantada, deu dois passos para trás, apertou bem a vista de perto quase se acocorando, nesse momento eu fiquei apreensivo, no maior suspense, achei que a velhinha ia estragar o meu esquema tão bem montado, ela chegou quase a tocar na melancia, enquanto isso, o Gilson sem saber de nada, continuava a “colher” a “gordinha”, a velhinha em seguida se benzeu, vendo a melancia continuar “andando” sozinha, acompanhou calada a trajetória da bicha enquanto agachada estava, sempre de boca aberta, com os olhos fixos hipnotizada, até a melancia sumir de seu campo de visão e se perder na escuridão, depois se agarrou com um enorme crucifixo de madeira que trazia pendurado no pescoço, se ajoelhou, juntou as mãos, balbuciou algumas palavras baixinho, iguais aquelas rezadeiras de menino novo com quebranto, que de fala tão incompreensível, que nem mesmo o santo mais experiente, consegue entender patavina do que ela fala, fez ainda mais algumas vezes o sinal da cruz, depois se levantou, bateu a areia das pernas, deu um pulo pra trás, rodopiou, cantando umas músicas do hinário de sua igreja, saiu em disparada levantando areia e gritando: “Vixe! Nossa Senhora, é visage, é visage e repetia se benzendo dos pés à cabeça, - “O sangue de Jesus tem poder, tem poder...”.
Graças que ninguém notou nada, a escuridão era nossa aliada, quando cheguei no Gilson ele estava todo feliz com a melancia no colo, me devolveu o anzol, guardei e fui “comprar” outra.