ESTÁ MAIS DO QUE NA HORA DE OUVIR A VOZ DOS QUILOMBOS!
- Crônica do dia 30-08-2020 -
Eu sonhei com o dia que todas essas vozes que choram caladas no silêncio da madrugada, com medo do filho ouvir sua dor, pudessem ecoar. Sonhei com o dia em que pudéssemos falar numa plenária sobre a dor do nosso povo sem sermos chamados de vagabundos invejosos.
Eu sonhei com o dia em que pudéssemos descer a ladeira sem camisa tocando berimbau na rua e jogando capoeira na praça, sem sermos chamados de drogados vagabundos. E sonhei com o dia em que nossa arte tivesse espaço nas galerias e nos conscientes das pessoas deste município que sempre nos relegaram o esquecimento.
Muitos ainda insistem dizer que o racismo não existe quando são questionados sobre isso. Mas eu já cansei de ouvir em rodas de conversa que meninas pretas são pra “despejar”, as indiazinhas pra “namorar”, e as branquinhas pra casar, porque “dá pra apresentar para a mãe”.
Essa é a Água Branca que eu vivi há doze anos, o município do primeiro negro bolsista para o curso de Direito, historicamente tão elitizado e tão voltado para oprimir as massas. Nesse mesmo período, iniciava a militância no movimento quilombola, trabalhando na preservação das nascentes que os donos de terra insistem em destruir.
No mesmo período em que o professor Zezito da UFAL andava pelos quilombos do Estado de Alagoas trabalhando em seu reconhecimento junto à Fundação Palmares que era presidida pelo Zulu Araújo, que apenas hoje consigo perceber o quanto é saudosa sua presença diante desta instituição.
A Comunidade Serra das Viúvas nem sabia ainda que era quilombola, aqueles que sabiam, nem sabia o que era ser quilombola. As meninas estavam tão oprimidas pela cultura branca que descoloriam os pelos do corpo para “sentirem-se mais belas”. Isto é mais que chocante, isto é triste. Ainda mais pra mim, que sou quilombola palmarino crescido em contexto urbano, porém, no seio da cultura negra.
Meu avô, Manoel Luiz da Silva nasceu em Viçosa, interior de Alagoas, o último reduto de Palmares. O lugar onde o rei Zumbi foi traído e assassinado. Os bandeirantes paulistas cortaram seu pênis e o colocaram em sua boca e desfilaram com aquela monstruosidade no centro de Recife para mostrar a todos que o sonho de liberdade havia morrido.
As nossas histórias são um pouco pesadas, eu sei... A nossa vida não é fácil. Ver nossos amigos morrendo enquanto crescemos, não é fácil, ver que a sociedade te julga menos do que é devido sua cor, ou a ausência de um sobrenome europeu, ou com o espanto de quando se tem um sobrenome europeu, que é o meu caso.
A maioria vai dizer MiMiMi... Por que é assim que chamam hoje aquilo que é dor que dói no outro, traduzindo antecipadamente o conceito de APATIA. Porque isso fez parte de todo o processo. Não teria havido escravidão se não convencessem a todos que não era correto tratarmo-nos como seres humanos.
Antes de negarem tudo o que eu disse neste texto, apenas reflitam na intimidade de suas próprias conciências, e vejam como vocês brancos do município de Água Branca-AL tratam o povo não só dos quilombos, mas de toda a zona rural do município, façam apenas o SENSO DE JUSTIÇA, com relação ao pagamento da mão de obra destas pessoas.
Antes de dizerem que isso é FRESCURA, apenas reflitam VOCÊS BRANCOS DA CIDADE que receberam casas gigantescas da gestão de Zé de Dorinha, sem necessidade alguma, apenas por avareza, egoísmo e vaidade e quantas famílias estão morando em casas de taipa ainda por conta disso.
PONHAM A MÃO NA CONSCIÊNCIA E AVALIEM, VOCÊS QUE COMPRARAM CARROS IMPORTADOS E CONSTRUÍRAM MANSÕES COM O DINHEIRO ROUBADO DA BOCA DESSA GENTE!
Precisamos de um pouco de humanidade nos corações para vermos que está mais do que na hora de dar a essas pessoas o que elas merecem, que é, no mínimo, UM ESPAÇO NO PARLAMENTO PARA QUE SUA VOZ TAMBÉM SEJA OUVIDA.
A Lagoa das Pedras, uma das comunidades quilombolas do município, é um Sítio Arqueológico, onde já foram encontrados diversos fósseis, os quais foram roubados.
Temos quilombos que produzem artesanatos ancestrais que estão correndo o risco de desaparecerem.
Precisamos Titular os territórios quilombolas para que os povos possam produzir e se desenvolver e as terras SÃO PAGAS INTEGRALMENTE PELO GOVERNO!
Precisamos DESENVOLVER O TURISMO! E os quilombos são um grande atrativo turístico devido ao fato de terem CULTURA ANCESTRAL.
Então, de nada adianta irem pra Igreja todos os sábados e viverem beijando as mãos do padre, se vocês, dentro de si próprios, sabem que estão fazendo a coisa errada. Porque vocês sabem que estão!
É por isso que eu peço encarecidamente a todos do município de Água Branca que deem uma atenção especial para as palavras desta jovem mulher que luta desde os dez anos de idade contra o racismo, contra a fome, contra o abandono, a diáspora e a destruição paulatina de seu povo, de sua cultura, de suas nascentes, de sua família e da liberdade de sonhar que deve ser intrínseco a todos os seres humanos.
Seu nome é Lia Araujo, a LIA DO KILOMBO!
Graciliano Tolentino
- Crônica do dia 30-08-2020 -
Eu sonhei com o dia que todas essas vozes que choram caladas no silêncio da madrugada, com medo do filho ouvir sua dor, pudessem ecoar. Sonhei com o dia em que pudéssemos falar numa plenária sobre a dor do nosso povo sem sermos chamados de vagabundos invejosos.
Eu sonhei com o dia em que pudéssemos descer a ladeira sem camisa tocando berimbau na rua e jogando capoeira na praça, sem sermos chamados de drogados vagabundos. E sonhei com o dia em que nossa arte tivesse espaço nas galerias e nos conscientes das pessoas deste município que sempre nos relegaram o esquecimento.
Muitos ainda insistem dizer que o racismo não existe quando são questionados sobre isso. Mas eu já cansei de ouvir em rodas de conversa que meninas pretas são pra “despejar”, as indiazinhas pra “namorar”, e as branquinhas pra casar, porque “dá pra apresentar para a mãe”.
Essa é a Água Branca que eu vivi há doze anos, o município do primeiro negro bolsista para o curso de Direito, historicamente tão elitizado e tão voltado para oprimir as massas. Nesse mesmo período, iniciava a militância no movimento quilombola, trabalhando na preservação das nascentes que os donos de terra insistem em destruir.
No mesmo período em que o professor Zezito da UFAL andava pelos quilombos do Estado de Alagoas trabalhando em seu reconhecimento junto à Fundação Palmares que era presidida pelo Zulu Araújo, que apenas hoje consigo perceber o quanto é saudosa sua presença diante desta instituição.
A Comunidade Serra das Viúvas nem sabia ainda que era quilombola, aqueles que sabiam, nem sabia o que era ser quilombola. As meninas estavam tão oprimidas pela cultura branca que descoloriam os pelos do corpo para “sentirem-se mais belas”. Isto é mais que chocante, isto é triste. Ainda mais pra mim, que sou quilombola palmarino crescido em contexto urbano, porém, no seio da cultura negra.
Meu avô, Manoel Luiz da Silva nasceu em Viçosa, interior de Alagoas, o último reduto de Palmares. O lugar onde o rei Zumbi foi traído e assassinado. Os bandeirantes paulistas cortaram seu pênis e o colocaram em sua boca e desfilaram com aquela monstruosidade no centro de Recife para mostrar a todos que o sonho de liberdade havia morrido.
As nossas histórias são um pouco pesadas, eu sei... A nossa vida não é fácil. Ver nossos amigos morrendo enquanto crescemos, não é fácil, ver que a sociedade te julga menos do que é devido sua cor, ou a ausência de um sobrenome europeu, ou com o espanto de quando se tem um sobrenome europeu, que é o meu caso.
A maioria vai dizer MiMiMi... Por que é assim que chamam hoje aquilo que é dor que dói no outro, traduzindo antecipadamente o conceito de APATIA. Porque isso fez parte de todo o processo. Não teria havido escravidão se não convencessem a todos que não era correto tratarmo-nos como seres humanos.
Antes de negarem tudo o que eu disse neste texto, apenas reflitam na intimidade de suas próprias conciências, e vejam como vocês brancos do município de Água Branca-AL tratam o povo não só dos quilombos, mas de toda a zona rural do município, façam apenas o SENSO DE JUSTIÇA, com relação ao pagamento da mão de obra destas pessoas.
Antes de dizerem que isso é FRESCURA, apenas reflitam VOCÊS BRANCOS DA CIDADE que receberam casas gigantescas da gestão de Zé de Dorinha, sem necessidade alguma, apenas por avareza, egoísmo e vaidade e quantas famílias estão morando em casas de taipa ainda por conta disso.
PONHAM A MÃO NA CONSCIÊNCIA E AVALIEM, VOCÊS QUE COMPRARAM CARROS IMPORTADOS E CONSTRUÍRAM MANSÕES COM O DINHEIRO ROUBADO DA BOCA DESSA GENTE!
Precisamos de um pouco de humanidade nos corações para vermos que está mais do que na hora de dar a essas pessoas o que elas merecem, que é, no mínimo, UM ESPAÇO NO PARLAMENTO PARA QUE SUA VOZ TAMBÉM SEJA OUVIDA.
A Lagoa das Pedras, uma das comunidades quilombolas do município, é um Sítio Arqueológico, onde já foram encontrados diversos fósseis, os quais foram roubados.
Temos quilombos que produzem artesanatos ancestrais que estão correndo o risco de desaparecerem.
Precisamos Titular os territórios quilombolas para que os povos possam produzir e se desenvolver e as terras SÃO PAGAS INTEGRALMENTE PELO GOVERNO!
Precisamos DESENVOLVER O TURISMO! E os quilombos são um grande atrativo turístico devido ao fato de terem CULTURA ANCESTRAL.
Então, de nada adianta irem pra Igreja todos os sábados e viverem beijando as mãos do padre, se vocês, dentro de si próprios, sabem que estão fazendo a coisa errada. Porque vocês sabem que estão!
É por isso que eu peço encarecidamente a todos do município de Água Branca que deem uma atenção especial para as palavras desta jovem mulher que luta desde os dez anos de idade contra o racismo, contra a fome, contra o abandono, a diáspora e a destruição paulatina de seu povo, de sua cultura, de suas nascentes, de sua família e da liberdade de sonhar que deve ser intrínseco a todos os seres humanos.
Seu nome é Lia Araujo, a LIA DO KILOMBO!
Graciliano Tolentino