Publicidade e Propaganda

Leitores, já lhes disse que sou revisora de textos em uma agência de publicidade. Eu adoro o meu trabalho. É um universo de saberes. Primeiro tem o diretor de criação, o profissional que tem as ideias a ser desenvolvidas pela equipe. Não que ele crie tudo e todas as ideias saiam de sua cabeça. Mas ele tem aquele "insight" que pode, inclusive, ser superado pelos redatores.
Não é porque são meus colegas, mas os redatores da Bando são muito bons. Eles criam desde um texto extenso a ser divido em cartelas na apresentação àqueles textinhos curtos, cujo nome eu esqueci, que colam na marca e parece ter nascido tudo ao mesmo tempo. Sabe o "de mulher pra mulher...? Então. Trabalho de redator. Também o pessoal que cuida das mídias digitais e escreve textos leves, cheios de hashtags e substantivos transformados em verbo. Sextou?
Enquanto o texto está em preparo, o diretor de arte está fazendo a arte da marca. Aquele sinal de ótimo daquela marca, bem conhecida, foi obra de um diretor de arte.
Os diretores de arte combinam as cores, desenham a logomarca, inserem o texto e eu entro para revisar tudo, se a ortografia está correta, letras faltando ou sobrando, pontuações, espaçamento, jurídico etc. Se for comercial para internet, rádio ou tv, o material segue para a mídia eletrônica, se for impresso, os arte finalistas dão o grau e segue para a produção gráfica. Então as executivas de mídia veem orçamentos, veículos, e muito mais porque eu só estou falando por cima. Tem também os executivos de atendimento que são a linha direta com o cliente.
O meu trabalho parece o menor. Como disse em outra crônica, meu dever é ser invisível. Mas não se enganem. Quem aqui nunca riu de um outdoor com um erro gigante de ortografia? Ou aquele famoso anúncio de supermercado que vendia "peido de frango"? Já pensaram na vergonha? Eu tenho um enfarte se deixo passar uma coisa dessas, afinal, tenho uma reputação a zelar. E o principal, meu emprego, o melhor que já tive.
Quando cheguei na Bando, eu era uma gramática normativa da língua portuguesa. Vinda do Tribunal de Justiça, onde eu era secretária, meu português era duro como a lei pra preto e pobre. Usar o "pra" em um texto? Jamais. É "para". Pronome oblíquo átono antes do verbo, só por cima do meu cadáver. Gíria? Nunca, na minha cabeça eu corria o risco de ser presa.
Com o tempo fui me soltando, ficando mais fluida. A escritora Srta. Vera tornou-se uma com a dona Vera revisora e eu passei a me meter no trabalho dos redatores mas com graça, leveza, "e se a gente reescrever essa frase assim?" Se o redator aceita, eu fico satisfeita que só. Se não, engulo minha ideia mesmo que seja como uma espinha de peixe presa na goela que só desce com uma mão cheia de farinha. Porque eu respeito o trabalho do redator e, se o cliente aprovou, quem sou eu para meter o bedelho.
​​​Falamos para vários públicos, podemos usar desde o nosso cearensês gaiato até o juridiquês engomado sem perder o embalo.
Acontece, leitores, que tem uns textos bem reimosos. Eu vou lá, venho cá, tomo um café, fumo um cigarro e nada de achar o erro. Mas ele está lá, eu sinto, e quando descubro, ah, bichim! Te peguei. Meus colegas morrem de rir do quanto eu sou passional. Parece tão bobo, meu Deus! mas uma palavrinha duplicada faz tanto mal para mim quando eu a vejo impressa. A danada passou por tantos lugares, o arte finalista deixou tudo bonitinho, foi pra gráfica, chegou o material e alguém do atendimento viu. Aí, meus amigos, baixou a Maysa. Meu mundo caiu. Isso pra mim é a morte. E se o cliente vir, é pior do que a morte. Sou perfeccionista no meu trabalho. Mas só lá. Como disse Fernando Pessoa,

"Sou um técnico.
Mas sou um técnico só dentro da técnica.
Fora dela, sou louco. Com todo direito a sê-lo."

Poderia contar muitos causos mas a ética profissional não permite. Fica então esse pequeno esboço de como é o dia a dia em uma agência de publicidade. Inté.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 30/08/2020
Reeditado em 30/08/2020
Código do texto: T7050322
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.