Sobre o Camarada Carioca

Por Nemilson Vieira Vieira (*)

Ele aportou na capital mineira em 2003; veio de São Gonçalo — Marambaia (RJ), onde nasceu.

Quase ninguém sabe do seu nome por aqui. O chamam de “Carioca”.

No bairro São Gabriel conheceu a Ilca, uma linda mulher, que lhe deu atenção, carinho, guarida… Tornou posteriormente, o amor da sua vida. Viveu e conviveu com ela somente um ano e quatro meses.

Daí cada um procurou o seu caminho…

Com uma pessoa que conheceu ainda no Rio, tiveram o Dionatas. Hoje o jovem mora com a mãe no Bairro Gira Sol, Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte.

Mesmo a demonstrar vulnerabilidade social, aqui na região do bairro Céu Azul caiu na graça da Eliete. — O grande amor da sua vida. Não lhe pôde dar um filho por já ser mãe de seis a oito. Viveram muitos anos felizes; até que a morte a separaram.

Tornou-se administrador do Shopping Lixão, da Rua Alvarenga Campos que funciona ao céu aberto, dia e noite.

Revende objetos domésticos dos mais variados, ganhados dos moradores da região. Doa também; faz qualquer negócio…

Em 2019, um fogo, possivelmente criminoso, destruiu por completo o seu ganha-pão. Ressurgiu das cinzas e continua no mesmo lugar e atividades afins.

Desde que veio para Minas Gerais o Carioca não voltou mais à Cidade Maravilhosa; nem mesmo à visita aos familiares.

Vive rodeado de amigos-de-goles que prefere chamá-los de “os meus camaradas”.

Se dá bem demais da conta por aqui: com o povo, com a culinária, com o lugar.

“Poderia voltar à minha terra um dia, a passeio; se tiver um bom dinheiro.” — Disse. Tem vergonha de voltar pior do que saiu.

Ainda há irmãos e tios… Na sua cidade de origem, mas não teve mais contacto algum com eles, esses anos todos.

Desde que deixou o seu torrão natal, com a perda dos pais: Dona Maria José Nilda da Silva e o seu Walteir José Felipe, o Carioca vive uma vida sem muito apego com as coisas materiais…

Não há de se duvidar da sua generosidade…

Sempre compartilha com as pessoas, alguma coisa que ganha. Até eu já ganhei uma blusa de frio dele.

Vive como Deus permite…

Tem a rua como lar e o céu como teto.

Os seus camaradas o apoiam com uma pernoite, um banho, um litro de cachaça, uma comida, uma coisa qualquer…

Assim rompe os seus dias.

Quase meio século de vida e poucos esforços em deixar a “malvada” da água que o passarinho não bebe.

Mesmo num convívio constante com utilizadores de toda sorte de alucinógenos.

Jura de pés juntos que não usa outras drogas. O aperitivo tem sido sagrado para ele:

“A bebida deixa-me mais calmo; é o único vício que tenho”. — Confessa.

Já surtou várias vezes… Tenta tombar os veículos nas ruas.

“Sou da paz”, não se cansa de dizer.

Mesmo possuidor dessa virtude já se envolveu em algumas confusões. A última foi com o Baiano; ao desmaia-lo com uma paulada. Só não deu o golpe de misericórdia no mesmo devido ao pedido de Cal; camarada das antigas que se encontra atualmente numa clínica de recuperação de dependentes do álcool.

Carioca carrega a cor do chovolate na pele e conta com quase dois metros de altura; a sua única vestimenta é uma velha bermuda, ganhada.

Faça sol, chuva ou frio…

Não veste uma camisa por quase nada nesse mundo.

NA SUA JUVENTUDE

Na juventude o Carioca saiu com os colegas: Ronaldo e Fernando (o Gabu), e cometeu o seu primeiro ilícito: roubou o galo de estima do seu Manoel (vizinho), ex-colega de farda do seu pai, no Exército Brasileiro.

O seu Walteir logo soube e aguardou o momento certo de conversar com o filho.

Avisado pela mãe o menino resolveu se apresentar ao pai no seu escritório; num quartinho dos fundos da grande residência da família, de treze cômodos.

O velho pai mesmo aposentado não havia deixado a disciplina militar…

Com sabedoria, não precisou bater, nem adjetivar o filho de ladrão, disso ou daquilo… — Sequer rememorou o fato.

Ordenou ao filho que pegasse depressa o Tute e o levasse a ele.

O menino foi ao quintal estalou os dedos; o bicho inocente, pela última vez correu a ele. Com um certo pressentimento ruim, o carregou nos braços e o entregou ao velho pai.

— Agora leve-o ao Seu Manoel…

Aí o garoto entendeu que pagaria com juros e correção, o que fizera de errado com os amigos da sua primeira infância.

Perderia para sempre o seu bem mais precioso… O Tute (o bicho que ele mais amava).

O seu Manoel recebeu de bom grado o animal em substituição ao que fora suprimido.

Depois de agradecer-lhe o aconselhou como um pai.

— Cuidado com as más companhias!

A lição do pai, com as palavras daquele senhor, ainda ecoa na sua memória até hoje.

Por causa disso não mais colocou as suas mãos no alheio'. — Mesmo a viver na extrema necessidade.

*Nemilson Vieira

Acadêmico Literário

(30:01:18)