Materialismo no formigueiro

Não sei se você já reparou em um formigueiro. Segundo pesquisas recentes, realizadas por uma universidade do Norte dos EUA, localizada entre o polegar Sul e o mindinho desindicador, essa é uma atividade recreativamente interessantíssima amém. Talvez você discorde, e eu não recrimino; aceito, sem protestos, essa nossa divergência. Mas, se algum dia, por acaso ou por interesse, você mudar de ideia, permita-se essa experiência um tanto incomum para os tempos atuais.

Desligue a televisão, feche as portas e vá à procura do formigueiro mais próximo: assistir ao trabalho das operárias. Não será custoso encontrar um desses casulos laborais, pois, conforme a ciência, temos no mundo mais formigas que humanos. São cerca de 10.000.000.000.000 de formigas vivas na Terra (!). Talvez o Sr. Adam Smith tenha realizado essa experiência, pois, em "A riqueza das nações", esse pensador afirma que a única fonte de riqueza é o trabalho, e não a terra. Talvez tenha chegado a essa conclusão ao observar a laboriosa vida em um formigueiro.

Talvez tenha passado um tempão acocorado em volta de um formigueiro, atentamente observado o modus operandi da vida no formigueiro, as incessantes idas e vidas das formigas operárias, saindo de um buraco em direção a outro, sempre carregadas e religiosamente em filas ordenadíssimas. Mas, pensando melhor, talvez essa opinião de que a única fonte de riqueza é o trabalho, e não a terra não lhe tenha advindo da observação da vida em um formigueiro.

Se assim fosse, a conclusão a que chegaria seria outra e diversa. Perceberia, como nos esclarece hoje a ciência, que no curioso mundo das formigas, os machos não trabalham e têm a única função de fecundar as rainhas. As rainhas, por sua vez, são as únicas responsáveis pela reprodução. O trabalho pesado no formigueiro é feito pelas operárias, todas fêmeas, que vivem alguns trabalhosos meses, a realizarem a limpeza dos ninhos, a buscar comida e água, a cuidar da rainha, dos ovos e da segurança do formigueiro.

Talvez o Sr. Adam Smith tenha sido um adivinho. Talvez tenha previsto o futuro. Talvez tenha visto ou pré-visto a vida nas fabricas mundo afora, nos cafezais, nas cidades cada dia mais povoadas e, não sei se antes ou depois, já que era possível adivinhador, ido ao encontro do pensamento de Thomas Malthus, para quem, em "Ensaio sobre o princípio da população", a natureza impõe limites ao progresso material, já que a população cresce em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos aumenta em progressão aritmética.

Tenho péssima notícia para as operárias. Afinal, noto, com muito pesar, que infelizmente toda nossa ciência é incapaz de diminuir a fila nos formigueiros. Ainda por muitos anos, nem chego a numerar quantos, não apenas porque adivinho não sou, vocês terão de enfileirar-se, viver menos para que as rainhas vivam mais. Afinal, chego à conclusão de que vocês são parecidíssimas com nossos operários. Eles também andam levando o mundo nos ombros, trabalhando como mouros. Também eles andam em fila, engordando rainhas e construindo riquezas alheias, para o bem da Pátria, como dizem os neoliberais, sem especificar que Pátria.

Certamente não é a Pátria das operárias... Afinal, toda tecnologia de dispomos atualmente, dizem que com o objetivo de tornar a vida funcional, não seria um modo de barateá-la? Não seria um modo placebo de viver? Será mesmo que a única fonte de riqueza é o trabalho, e não a terra? Ora, pois, será que Jeff Bezos também é adivinho?

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 30/08/2020
Reeditado em 30/08/2020
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