Larga Esse Homem

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

Galdino Caixa carregava a fama de ser preguiçoso, não levantar uma palha. Sobreviver na cidade daquela maneira não dava... Serviço havia, mas o homem não corria atrás do lucro.

Os filhos é a alegria da casa: primeiro veio Rita, Maria, José. Pelo vigor do casal a procriação ia longe, mas haviam de pisar no freio. Moravam de favor numa casa velha arruinada, cedida por um conhecido, em Estrela do Indaiá.

A esposa Leonôra com dificuldades segurava as despesas da casa como podia… Os meninos só ajudavam em alguns poucos serviços domésticos.

Até que Zé Sérgio, fazendeiro caridoso da Serra Boa, soube da vulnerabilidade social da família e se prontificou em ajudar.

Convidou Galdino a ser caseiro seu. Por lá poderiam criar os seus animais, plantar as suas lavouras… O que fizessem seria da família.

Para Galdino o serviço de roça não lhe não dava ânimo…Já a companheira achou ser a oportunidade da vida... De fome propriamente, não morreriam; disposição para o trabalho, não lhes faltava…

Galdino para agradar à mulher e não vê-los em maiores apertos, faria qualquer negócio e aceitou a proposta.

Estabelecidos na propriedade, Leonôra logo deu de criar galinhas, porcos — coisa que não o fazia desde que fora morar na cidade. Organizou um canteiro e começou a cultivar sua horta caseira.

Não demorou e já morria de saudade de José, o único filho homem, que ficara a estudar em Estrela com a madrinha. Tempos depois, fora para a capital mineira; não havia mais estudos para ele no interior. A madrinha custeava os estudos, as despesas do rapaz. — O tinha como um filho.

Galdino vivia num repouso quase absoluto: a embalar-se numa cômoda rede armada na varanda da casa, o dia inteiro.

A esposa não parava um só instante dos trabalhos... Cuidava das filhas, lavava as roupas, fazia o ‘mastigo’ do dia, num fogão velho de lenha e, nas labutas na roça, nas horas vagas.

Conselheiros não faltavam à Leonora: — Larga esse homem mulher. Procure um mais esforçado que lhe dê valor… Têm muito homem bom por aí…

Leonora dizia: — Sou feliz assim. Foi Deus que o me deu; temos três filhos maravilhosos... Às vezes ele arma umas arapucas, uns laços pega aves, caças, comemos com os filhos e nos alegramos em volta da mesa e ainda serve para olhar a casa, vigiar a roça… Ainda me faz uns carinhos.

O mundo dá muitas voltas...

Galdino deu de fazer uns chapéus de cambaúba, uma taquara muito comum em mata de transição, abundante nos terrenos do seu Zé Sérgio. Aprendeu o ofício nem se sabe como! Preguiçoso devia ser, mas, muito inteligente!

Fez o primeiro chapéu e o pendurou na sala; aquilo era um sinal de respeito: havia um homem na casa. Fez o segundo para o seu uso pessoal. Só o retirava da cabeça para dormir e, outro para o dono da fazenda que, ao recebe-lo, amou demais.

Versões femininas de chapéus, devia haver e presenteou a esposa, as filhas, a patroa. Gastava quatro dias para fazer um chapéu e o vendia por dez cruzeiros, na época.

Daí para a frente não parou mais com a sua indústria de chapéus. A boa notícia espalhou-se por entorno da fazenda, distritos, cidades, estados.

A beleza e a durabilidade dos seus chapéus também eram algo extraordinário...

Dizem que Galdino dava uma garantia de 40 anos ao freguês que lhe comprasse um chapéu daqueles. — Coisa nunca vista no mundo comercial.

Zé Sérgio dava-lhe toda a liberdade à colher a matéria-prima necessária para a produção dos seus chapéus, nos seus terrenos.

Fregueses vinham de todos os lados para comprar e levar aquelas preciosidades.

Abriu pontos de vendas em algumas cidades e a demanda por seus produtos iam bem. O negócio crescia numa velocidade astronômica… O volume das vendas garantia-lhe boa receita.

A Rita filha mais velha do casal, não teve boa sorte: casou-se e foi-se para uma terra distante. Grávida, uma das paredes internas da sua residência, desabou sobre ela. — Numa briga do esposo com o próprio pai. Ela não resistiu aos ferimentos e veio a falecer, com seu bebê na barriga.

Maria aprendera a profissão com pai, e o ajudava na fabricação e vendas dos chapéus; no atacarejo na cidade. José graduou-se e passou a administrar os negócios da família.

Leonôra falava da sua garra, determinação e paciência que a mulher deve ter com o marido…

"Se tivesse dado ouvidos aos conselhos de alguns, a largar meu esposo, teria perdido um homem de ouro". — Dado com os burros, n’água, segundo ela.

*Nemilson Vieira de Morais

Gestor Ambiental/Acadêmico Literário

(15:06:17)

Texto baseado em fatos reais, com adendos do autor.