O Reval

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

Reval por um tempo andou meio fraco da cabeça.

Morava num quarto anexo à alfaiataria do Corcino, seu parente próximo. Na Rua Sete de Setembro.

Quase sempre com à mesma roupa, sapatos empoeirados, com aparência de ser maior que seu número normal.

Moreno duma estatura mediana; barba e cabelos por cortar. — Pente e água pouco viam.

De vêz em quando sumia, depois aparecia e era visto a transitar pelas ruas.

Não oferecia medo aos meninos do lugar; não sentíamos isso dele. — Um pouco de cisma podia haver.

Demonstrava um jeito desconfiado, não era muito de conversar, mais de observar...

Andava lentamente pela cidade, a parar pelo percurso que fazia —, a pôr sentido em tudo o que lhe chamasse à tenção.

Nada passava despercebido do seu olhar criterioso, a observar os mínimos detalhes das coisas...

Em muitos casos, discordava de algumas irregularidades que via pelo caminho; — num gestual de cabeça.

No final dos anos setenta, início dos anos oitenta, houve uma exploração de aroeira muito intensa na região. Como aconteceu com o pau-ferro: tempos depois, a aroeira fora extinta pela região. Caminhões faziam o transporte dessas madeiras.

Nesse dia Reval saiu de casa e subiu pelas ruas mais calado do que nunca.

Ganhou a Rua do Comércio e sentiu um oco na barriga… Entrou na padaria de Zé Padeiro e ganhou um lanche; — Um pão, um café num copo descartável.

Ao retornar para casa, pelas mesmas pisadas, deparou-se com um "bruto" desses usado para o transporte dessas madeiras, carregado de lachas de aroeira; há dias no local, com uma ponta-de-eixo quebrada.

Conversou piedosamente com o caminhão; não se soube o teor da prosa.

Balançava a cabeça de um lado para o outro, como quem não concordar com tal situação.

Conversou baixo com o caminhão, de maneira que só os dois se ouviam; o sol a pino.

“Como pode tanto descaso com um ser tão indefeso… Nem um gole d'água deram ao pobre; vou ajudar.” — Deve ter dito.

Reval conservava um bom coração, reflexo talvez da boa criação que recebera dos pais.

Mãos à obra...

Deu o lanche que ganhou na padaria para o caminhão comer…

Antes de despedir-se, daquele pobre necessitado, balbuciou algumas palavras:

— “Tenha um bom apetite… Voltarei amanhã para lhe ver…” — Pode ter pensado ao seguir seu caminho.

Foi-se, pós balançar a cabeça por algumas vezes; em desaprovação àquela situação.

Repetiu o mesmo gesto de alimentar aquele caminhão, durante uns quinze dias.

Toda às vezes que retornava ao local não havia nem vestígio do lanche deixado anteriormente por ele.

Sempre nos mesmos horários deixava próximo à placa dianteira, um pão, um café, um lanche qualquer ao faminto caminhão enganar as tripas, pois a fome não espera.

*Nemilson Vieira de Morais,

Gestor Ambiental e Acadêmico Literário.