ABELHAS MIRINS

Um bolinho modesto - minha mãe nunca foi lá muito boa nesta arte, embora fizesse cucas maravilhosas, já os bolos...(Prefiro nem comentar)
Sobre a mesa, uns salgadinhos e a longa espera até que chegassem os dois únicos convidados para o "festejo" de mais uma data natalícia deste que vos escreve.
Assim, solenes foram se chegando: Dona Jovina e seu Manoel - o Manoelzinho - um casal de idosos, nossos vizinhos que moravam além da ponte, numa única casa pingada na imensidão verde da campina.
Dona Jovina presenteara-me com uma caneca de porcelana, estampada com frutas onde destacava-se uma pera com o sinal de uma mordida.
[ Ao longo do que restara de minha infância, foi sempre nela que sorvi os meus cafés ]
Seu Manoelzinho, entregou-me uma sacola com algo inusitado.
Lembro-me nitidamente de suas palavras:
-"Meu fio ! Há muito tempo que estive preparando este presentinho pra você.Coisinha simpres, mas de coração"
Era uma daquelas antigas embalagens de chá "Mate Leão", no tempo em que este era vendido em delicadas caixinhas de madeira.
[ Os mais "entrados" nos anos, certamente lembrarão ]
- Vamos subir ao sótão, disse-me ele, e lá mostrarei a você o que está dentro da caixa.
Ansioso subi os mais de dez degraus da escada e fiquei à espera do bom velhinho.
Chegando lá, ele foi abrindo cuidadosamente a tampa da caixinha e explicando o conteúdo da mesma.
- São abelhas "Mirins". Já estão em fase de produção de mel.Este mel, além de delicioso é também medicinal.
Lembro-me de uma espécie de pequenas bolhas recheadas do precioso líquido.
Fiquei encantado com a delicadeza do presentinho, enquanto seu Manoel, de posse de martelo e prego, afixava ao lado esquerdo da janela os meus novos amigos.
A recomendação era de que não as perturbasse e colhesse o mel muito raramente.
Infelizmente não segui as recomendações do meu vizinho e, constantemente subia as escadas e ficava a observar o entre e sai daquelas abelhinhas tão pequenas - lembravam pernilongos - na faina de produzir o mel.
Uma pequena abertura na parte de baixo da caixinha era a movimentada porta de entrada dos delicados insetos.
Não satisfeito em apenas observar o intenso vai e vem da colméia, um certo dia abri a tampa do caixote e deparei-me com um razoável volume de mel.
Com um canudinho fui sugando aquele amontoado de bolhas e sorvendo o licor dos deuses. Uma delícia ! Algo indescritível !
Acabei com o estoque da moçada.
Mais algum tempo e a cena se repetiu. Mais uma vez, e outra...Até o dia em que, desanimada, a colméia decidiu deixar de ser explorada e deu no pé.
Me entristecia as vezes que chegava na janela, abria a caixinha e em seu interior só encontrava as "marcas do passado".
Envergonhado, mentia ao vizinho sempre que ele indagava sobe o "andamento" das mirinzinhas.
Um dia, para minha surpresa, deparei-me com um pequeno buraquinho no tronco de uma pereira ao fundo do quintal.Um entra e sai vibrante e a família das "Mirins" em sua nova moradia.
Corri levar a boa nova a seu Manoelzinho.Ele se riu, dizendo-me que havia percebido a "minha arte" espantando a colméia.
-Você não sabe mentir, piazito.Mas que bom saber que o meu presentinho não se perdeu .
As pereiras existiam até pouco tempo. O terreno fora vendido e o arvoredo, quase centenário fora preservado pelo comprador até o fim de sua vida.Após a sua morte a familia deu novos rumos ao imóvel e a brutalidade dos tratores ceifaram as pereiras preparando o solo para futuras edificações.
Sempre que eu passava pelo local, vinha-me à lembrança a pequena colméia armazenando mel no interior daqueles troncos.
Aí eu cruzava a ponte e silenciosamente ia recriando um velho cenário no espaço verde perdido nas soledades de minhas lembranças e outra vez a caneca de porcelana e uma caixinha de mate leão, recheada de zumbidos, diziam-me da grandeza do simples que d e tudo emana.

(Imagem do google)