O Nero Mordia Até o Vento

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

Nas fazendas, sítios o cão é de grande serventia, muito utilizado também em caçadas. Agora menos, devido à proibição dessa atividade.

O fazendeiro estava feliz da vida com o Nero, cachorro que ganhara de um amigo. Até aparecer o primeiro desgosto: o bicho morder uma pessoa.

Daí em diante, a cada dia aparecia uma vítima de mordida do animal; era um problema atrás do outro. Vizinhos reclamavam da situação e a má querença aumentava velozmente. O dono do cão logo quis ficar livre da fera. — Não aguentava mais o suplício.

Surgiu-lhe a ideia de treiná-lo nas caçadas de caititus.

Nero teria a primeira oportunidade de conhecer uma floresta e seus habitantes… aprender um ofício, se tornar um cão-de-caça.

Aconteceu de dá certo de irem numa primeira caçada com o Nero e foram…

Seus colegas, cachorros, conheciam cada palmo daquele chão e os bichos que moravam nele. Nero coitado, naquele ambiente estranho a ele se sentia um peixe fora d'água— sempre viveu na cidade.

Enquanto os cães treinados, caçavam, ele pisava os calcanhares dos caçadores; — o tempo todo.

Por fim, pintou a caça do dia; os cachorros farejadores encontraram o bicho e ganiam ao longe, mata adentro… Nero partiu com tudo na direção dos amigos, que o acoavam.

Caso fosse uma caça miúda, só daria para uma abocanhada do Nero.

Os caçadores correram para ver e nas suas cabeças eram porcos-caititus.

Ao chegar no local de difícil acesso (numa gruta à beira serra) avistaram uma onça-pintada numa pedreira; que não podia crescer mais, de tão grande. A fera escarrava na cara da cachorrada…

De cortar o coração foi os gritos de Nero; — ao avistar o felino e correr de medo, a dor de barriga foi grande.

O mau cheiro das fezes-líquidas exalou-se por toda parte; ao ser borrifadas nas verdes folhas dos caités.

Corria e gritava até não se ouvir mais os seus gritos de dor: Caim! Caim! Caim!

Os homens sacrificaram a onça e regressaram à sede da fazenda.

Perguntaram por Nero e contaram o ocorrido… Ninguém da casa deu notícias dele.

Penduraram o animal silvestre no alpendre, nos fundos da casa, para tirarem a pele.

Não demorou muito e adentrou-se Nero à residência; com língua de fora, a procura dum gole d'água, um descanso…

Atravessou a sala, a cozinha e olhou para cima. Viu a onça pendurada e, novamente o pavor, correria e gritos… Ganhou de volta a estrada que veio. Até sumir de vista na curva da estrada. Caim! Caim! Caim!

Com uns anos, Nero foi visto numa casa da região. Tornou-se um bom cachorro e todos o amavam por lá. Só ofendia a comida que comia. Gordo que nem um capado, era incapaz de prejudicar uma mosca das orelhas.

Não foi mais ao mato por nada desse mundo.

Até ao final da vida seu trajeto se dava somente da lagoa do caldo para o morro do pirão.

*Nemilson Vieira de Morais,

Gestor Ambiental/Acadêmico Literário.

(15:02:18)