Escravos de Jó é, em verdade, jogo infantil de cantiga de roda que requer, principalmente, habilidades de agilidade e concentração. Uma vez formada a roda, as crianças que são os jogadores permanecem paradas podendo até ficar sentandos, com objeto igual para todos que pode ser pedrinhas, copos ou canecas, na mão direita.

E, ao ritmo da música, marcando os tempos fortes, inicia-se a braincadeira de passar o objeto que está na mão direito para o vizinho da direito e, então, receber com mão esquerda o objeto do vizinho da esquerda (se estiver de pé), trocando-o rapidamente de mão. Quando a letra indicar 'zigue, zigue, zá", o objeto é retido na mão direita e, só passado para a pessoa da direita na última palavra.

Nada indica que Jó tinha escravos e muito menos que jogavam o tal caxangá. Acredita-se que a cultura negra tenha se apropriado da figura para simbolizar o homem rico da cantiga de roda. Os guerreiros que faziam o zigue zigue zá, seriam os escravos fugitivos que corriam em ziguezague para despistar o capitão-do- mato.

“Escravos de Jó” é o nome dado a uma brincadeira coletiva típica da cultura infantil. Para a realização da brincadeira, as crianças deverão estar assentadas em circulo, recebendo e passando um objeto aos colegas acompanhando o ritmo de uma cantiga especifica da brincadeira.

Essa tarefa exige do ponto de vista cognitivo um pensamento descentrado que para ser atingido primeiro compreender as suas próprias ações e relações, rumo a descoberta do próprio corpo, depois corpo/outro e corpo/objeto.

As tarefas motoras envolveram: cantar e realizar movimentos individuais, depois em pares e mais tarde, com o objeto e colegas. Para realizar ações coletivas a criança precisa segundo Piaget conquistar o que ele denomina de autonomia de relatividade (relação sujeito/objeto) e de reciprocidade (relação sujeito/sujeito).

O corpo ativo e concreto dá a origem a um corpo com compreensão coletiva. O resultado da aula permite refletir sobre esse processo e delinear novas estratégias para que a criança possa construir suas ações e relações individuais, culturais e coletivas. Natureza do trabalho relato de experiência.

“É impossível identificar os compositores das cantigas infantis populares”, sentencia Luís da Câmara Cascudo, o maior folclorista brasileiro. Pois, dizia ele, “elas não têm sua autoria identificada e são continuamente modificadas, adaptando-se à realidade do grupo de pessoas que as cantam.”

Ainda assim, ele tinha uma pista sobre a origem inicial da maioria das cantigas de roda frequentes no país. No livro “Antologia do Folclore Brasileiro”, afirma que vinham de Portugal e Espanha. Claro que negros africanos brincavam em roda, mas a cultura europeia acabou sobreposta, pela forma de colonização.

Mesmo modificado a cada tempo e região, o repertório infantil popular, no entanto, persiste. A ponto de netos e avós serem formados com melodias semelhantes e poderem compartilhar este conhecimento durante a infância dos mais novos.

Até o entretenimento industrializado (televisão, DVDs), que já foi entendido como “ameaça” à cultura popular e ao brincar na rua, hoje ajuda a fortalecer a partilha das cantigas clássicas, com novas gravações e versões. O certo é que o apelo dessas melodias com os mais novos não se esgota.

Toda criança brasileira aprende, em algum momento, a fazer a brincadeira em que se movimenta objetos com as mãos enquanto se entoa a cantiga Escravos de Jó. O correspondente de guerra Egidio Squeff costumava usar música e jogo para se distrair durante a Segunda Guerra (1939-1945), em Porreta-Terme (Itália).

Os outros jornalistas no acampamento contavam que o grande escritor americano Ernest Hemingway (“O Velho e o Mar”, 1954) também acompanhava o front e, nos momentos de distração, não conseguia aprender a brincadeira de forma alguma, apesar de muito curioso. Squeff resmungava: “lá vem o Hemingway que, além de chato, é burro. Como é que alguém consegue não aprender uma bobagem dessas?”

Jó não tinha escravos nem cantigas.  Apesar de geralmente ser relacionada a Jó da Bíblia, o historiador Luiz Antonio Simas acredita que a cantiga tenha uma palavra em quicongo, língua africana. “Njó” é casa, logo o termo “escravos de jó” se refere aos escravos domésticos. “Caxangá” é um jogo de pedrinhas, esclarece o historiador.


Eu fui no Itororó beber água e não achei…” Sim, o Itororó é o nome de um local que existe, mas não se sabe exatamente qual. Há ribeirões com esse nome em Santos (SP), Salvador (BA), Camanducaia (MG) e igualmente em vários outros municípios brasileiros. Isso porque, em tupi antigo, o termo queria dizer ‘jorro d’água´, ou seja, uma bica ou pequena queda. (y, água, e tororoma, jorro)

Curioso notar, pois., em Santa Catarina, estado próximo do local da Batalha do Itororó (1868), na guerra entre Paraguai e Brasil, entram na letra personagens deste episódio histórico. “Eu fui no Itororó/ Beber água e não achei/ Ver Moreno e Caballero,/ Já fui, já vi, já cheguei”. Moreno e Caballero eram, segundo a História, generais das tropas paraguaias.

 A cantiga folclórica Peixe Vivo costumava ser tocada do mesmo modo na região de Diamantina, no interior de Minas Gerais, nas famosas serestas que eram populares por lá há séculos. Era por isso citada como uma das músicas preferidas do ex-presidente Juscelino Kubitschek, um dos mais ilustres nascidos na cidade.

Desde então, a melodia simples virou uma espécie de hino do presidente, entoada como saudação em toda parte. Assim, foi cantada até no velório dele, por cortejo popular, em Brasília, em 1976.


O significado de caxangá é ainda mais obscuro. Segundo o Dicionário Tupi-Guarani-Português, de Francisco da Silveira Bueno, caxangá vem de caá-çangá, que significa “mata extensa”. Já para o Dicionário... 

Afinal, qual a origem e o significado da cantiga Escravos de Jó?

Eis aí um mistério. A folclorista Fernanda Macruz, do Museu do Folclore, em São Paulo, passou cinco anos pesquisando o tema e não chegou a uma conclusão.

Como várias das cantigas tradicionais brasileiras, a clássica Escravos de Jó tem sofrido uma série de atualizações por pais e educadores preocupados com as mensagens a serem transmitidas aos seus filhos. Surgem então os Amigos de Jó, que jogavam caxangá.

Também não são mais “guerreiros”, mas “festeiros” os participantes da brincadeira. Para além de qualquer acusação de “politicamente correto”, pretendemos neste artigo explorar como possível o lastro da cantiga, para compreender o que está ou não sendo alterado.

Quem busca pelo significado da música nos mecanismos de busca se depara com uma terrível série de especulações apresentadas com ares de certeza.

Na revista Super Interessante, encontramos a ideia de que o Jó bíblico teria sido apropriado pela cultura negra para “simbolizar o homem rico”. Já na Fatos Desconhecidos, encontramos a suposição de que “zigue zigue zá” era o ziguezague que os escravos faziam para fugir do capitão-do-mato. Palpites com zero rigor, que não devem ser levados a sério.

Pontuamos, de início portanto, que não existe uma resposta já construída. O que temos são pistas que podem ser seguidas. Vamos começar a desvelar esses caminhos agora.

A letra da música era exatamente assim:
"Escravos de Jó

“Escravos de Jó
Jogavam caxangá
Tira, põe, Deixa o Zé Pereira ficar
Guerreiros com Guerreiros
Fazem Zigue Zigue Zá”".

Em suas variáveis, temos “Deixa o Zambelê ficar” ou então “entrar”. Na minha infância, me lembro de simplesmente “deixa ficar”, sem determinar o sujeito.

Conhecendo a estrutura da transformação da cultura popular, um comportamento bastante reincidente é a transformação de palavras pela aproximação ao português.

Foi desta forma, por exemplo, que o Mboitatá vira “Boi”, sendo inclusive encarado como touro de chifres de fogo em comunidades caiçara com forte influência portuguesa. Assim que Taperê deriva em um sobrenome lusitano, Pereira, como em Matinta Pereira.


A interpretação que mais faz sentido para mim é a seguinte: nos idiomas Bantô e outras línguas africanas, Inzó ou Únzó significam “Casa, Terreiro, Habitação”. Os escravos de Jó, portanto, não remetem ao Jó bíblico, mas aos “escravos domésticos”. Zambelê deriva no português Zé Pereira. As demais palavras, ainda cabe investigação.

Faria sentido trocar Escravos por Amigos? Depende do sentido que se busca. Ao evocar os “Amigos de Jó”, tiramos o contexto histórico da escravidão que subjaz no imaginário da música. Voltamos então ao Jó da bíblia, aquele que foi testado por Deus e duramente castigado para provar sua fé.

Que fizeram então os “amigos” deste Jó? De início se compadeceram de seu sofrimento. Depois, ao verem a persistência do castigo divino, passaram para um tom acusatório.

Se o homem sofria, era porque devia ter feito coisas horríveis! Assim, esses falsos amigos, que se tornaram ao final um fardo para Jó, só colaboraram para seu tormento.


Há ainda uma outra versão atualizada. Ao invés de escravos, são Guerreiros Nagô os brincantes. Como substituto, compreendo ser mais válido que louvar a fajuta amizade com Jó. Temos aí outra coisa sendo criada a partir da tradição. Se será apropriada pelo folclore ou desaparecerá como modismo, apenas o tempo dirá.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 26/08/2020
Código do texto: T7047022
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