Da mais alta janela da minha casa
A minha janela deixa-me ver:
Pedacinhos de céu.
De madrugada, a meia-lua côncava ou a meia-lua ligeiramente inclinada, indicando que está derramando chuva, sabedoria dos antigos.
E aí chove...
Mostra-me nuvens que se parecem com bicho ou com pessoas. E sei brincar de adivinhação.
Pássaros que voam pelo céu, em bandos, ou solitário vôo.
Se fechada, conto os pinguinhos em dia de chuva, enquanto os pensamentos visitam a doce saudade.
Se posso abri-la, sem me molhar, regozijo com a enxurrada descendo as sanjas da rua.
Então, custo pra segurar a minha criança que não envelheceu e quer brincar com os barquinhos de papel, numa aventura náutica...
A casa dos meu pais, privilégio de serem meus vizinhos.
A minha janela deixa-me ouvir.
Ouço o canto das aves: maritacas faladeiras, trocal, periquitos, bem-te-vi, marrecos viajantes...
Às vezes, assobio de micos e adivinho que estão arriscando a vida nos fios da rede elétrica.
Os carros e motos e bicicletas trafegando na rua de paralelepípedo.
De madrugada, o apito do trem de ferro que passa longe, cortando os canaviais.
A conversa, cochichada, de namorados passando na calçada, abraçadinhos.
A gritaria de criança, descendo a ladeira de bicicleta, cheias de adrenalina que a velocidade lhes dá.
A minha janela me deixa sentir o odor.
O perfume das flores brancas e roxas do manacá do meu jardim ou da murta do vizinho de frente.
O cheiro de banho do vizinho.
O aroma delicioso da cozinha de alguém.
A minha janela deixa-me sentir.
Sinto alegria por trocar emoção com as coisas de fora.
Sou agradecida por ter uma janela que me conta do mundo.
Sou feliz por emprestar a minha janela pra você espiar cá dentro.