Da mais alta janela da minha casa

A minha janela deixa-me ver:

Pedacinhos de céu.

De madrugada, a meia-lua côncava ou a meia-lua ligeiramente inclinada, indicando que está derramando chuva, sabedoria dos antigos.

E aí chove...

Mostra-me nuvens que se parecem com bicho ou com pessoas. E sei brincar de adivinhação.

Pássaros que voam pelo céu, em bandos, ou solitário vôo.

Se fechada, conto os pinguinhos em dia de chuva, enquanto os pensamentos visitam a doce saudade.

Se posso abri-la, sem me molhar, regozijo com a enxurrada descendo as sanjas da rua.

Então, custo pra segurar a minha criança que não envelheceu e quer brincar com os barquinhos de papel, numa aventura náutica...

A casa dos meu pais, privilégio de serem meus vizinhos.

A minha janela deixa-me ouvir.

Ouço o canto das aves: maritacas faladeiras, trocal, periquitos, bem-te-vi, marrecos viajantes...

Às vezes, assobio de micos e adivinho que estão arriscando a vida nos fios da rede elétrica.

Os carros e motos e bicicletas trafegando na rua de paralelepípedo.

De madrugada, o apito do trem de ferro que passa longe, cortando os canaviais.

A conversa, cochichada, de namorados passando na calçada, abraçadinhos.

A gritaria de criança, descendo a ladeira de bicicleta, cheias de adrenalina que a velocidade lhes dá.

A minha janela me deixa sentir o odor.

O perfume das flores brancas e roxas do manacá do meu jardim ou da murta do vizinho de frente.

O cheiro de banho do vizinho.

O aroma delicioso da cozinha de alguém.

A minha janela deixa-me sentir.

Sinto alegria por trocar emoção com as coisas de fora.

Sou agradecida por ter uma janela que me conta do mundo.

Sou feliz por emprestar a minha janela pra você espiar cá dentro.

Cassia Caryne
Enviado por Cassia Caryne em 25/08/2020
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