O Feijão é Um Ovo

Por Nemilson Vieira (*)

Essa narrativa é mais um causo do meu pai bastante conhecido e contado a boca miúda na minha cidade. — Tal registro tira-o tão-somente da oralidade.

Regularmente o velho Arrudas saía da sua fazenda e rumava numa camionete para Campos Belos. Lá fazia as suas compras costumeiras da semana e resolvia uma coisa e outra… Sempre acompanhado do filho Ironildes. Já homem feito na ocasião.

Se não me engano foi ele que edificou o casarão onde se instalou a primeira ou segunda, máquina de beneficiar arroz da cidade e região. Na Vila Baiana, um dos bairros mais antigos, onde me criei.

Ao início dessa obra, ainda garoto, eu contemplava os trabalhadores a quebrar aqueles fragmentos rochosos maiores às marretadas.

Achava bonito ver os trabalhadores usarem as marretas pequenas para o serviço. Com pouco esforço que faziam esmiuçavam a Penha.

Numa das suas idas a cidade foi à nossa venda fazer umas compras que, tinha de tudo um pouco.

Chocalho, munições de vários calibres, coalho, materiais de pescas, hidráulicos, elétricos; bicicletas, fumo de rolo batata-inglesa, maçãs, cebolas, chapéus, foices,

enxadas, machados, facões, querosene, panelas; ferraduras para animais, sal grosso e vacinas para o gado; correias de chinelos, bingas lamparinas, vasilhames…

O fazendeiro vivia apressado, era um homem de muitas ocupações…

— Tem feijão aí seu Natã?

— Tem Sim. Se não for muita coisa… Até algumas sacas ainda têm. — Tinha mesmo.

O pai levava um prejuízo enorme com feijão: comprava muito e não conseguia vendê-lo a tempo, aquilo começava a dar uns bichinhos pretos que se multiplicavam rapidamente. Os grãos ficavam em estado febril, daí o jeito era descartá-lo.

— O feijão é bom seu Natã?

— É um ovo…

Arrudas com uma barriga de arrebentar botões de camisas, empolgou-se e resolveu levar bastante feijão:

— Põe uma saca no carro para mim.

O pai ainda com forças para o trabalho; ergueu a saca do feijão, e a colocou no veículo do ilustre freguês que acertou a conta e foi embora feliz com as compras.

Ao chegar na fazenda, pediu a esposa que o cozinhasse.

Deve ter colocado de molho antes do cozimento.

Pós-isso… Lenha e fogo alto para adiantar o processo.

Depois de várias horas nesse cozer, o homem estava com a barriga nas costas a morrer de fome.

A mulher sempre a olhar, se já estava no ponto; nada de feijão cozido.

Pelas tantas da tarde mais uma conferida e o almoço novamente foi adiado. Não havia como alimentar-se do feijão de tão duro que estava. Naquelas alturas ainda começava a abrir as bandas, duras que nem pau.

O velho foi à loucura…

Chamou o filho Ironildes e rumaram a Campos Belos para devolver o tal feijão; a morrer de raiva do meu velho pai, pelo caminho.

Ao vê-lo, logo soltou os cachorros a dizer quase isso:

— Natã o senhor enganou-me dessa vez: disse-me que o feijão era uma beleza, isso e aquilo de bom… Não cozinha de modo algum.

— Arrudas, não foi isso que lhe disse. O seu filho estava presente no momento da compra. Sei que é difícil falar contra um pai…

Virou-se ao rapaz e continuou a falar: seja verdadeiro Ironildes. O que foi que eu disse ao seu pai no dia da compra do feijão?

O sangue do moço fugiu das veias… Ficou branco de repente, mas depois de respirar fundo voltou à normalidade. Em silêncio o fazendeiro aguardava a explicação do filho…

— É… quer dizer… lembro-me sim, perfeitamente.

O seu Natã dissera a nós naquele dia, pai, que o feijão era bom que nem ovo. E pelo que sabemos o ovo quanto mais cozinhar mais fica duro. A meu ver, não mentiu.

O homem quase morreu naquele dia.

Azul de fome e raiva entrou no carro e ganhou a estrada de volta, em velocidade…

Cuspindo maribondos…

* Nemilson Vieira

Acadêmico Literário

(13:10:18)