O lado bom da vida
Já era noite fechada naquele sábado. Enquanto o cheiro de carne assada invadia os seus aposentos, refletia sobre os seus novos hábitos.
Religiosamente, desde o início da quarentena, havia modificado totalmente seus horários, inclusive os alimentares. O seu desjejum agora era às seis horas; o almoço, às dez e trinta; café da tarde, quatorze e trinta e jantar, às dezoito horas em ponto. Portanto, o cheiro que a inebriava naquele momento – empurrando o seu estômago para as costas – a convidava para uma possível ceia.
Com certeza, cada vizinho, em seus espaços de confinamento, estaria jantando – isso era mais do que normal, outros ainda preparavam os seus alimentos –, haja vista o agradável cheirinho de carne grelhada. Isso era “anormal”. Quanto sofrimento!
Pegou um pedacinho de chocolate, tomou um copo de água e voltou à rotina noturna.
A concentração era quase impossível. Recostou-se na cadeira e soltou o pensamento.
Voltou no tempo ligeirinho... Para uma época em que morara em casa térrea, ladeada de vizinhos que, assim como ela, também tiveram filhos e os viram crescer juntos, dividindo os mesmos espaços na rua ou dentro de casa. Num piscar de olhos se tornaram adultos formados, e cada qual tomou seu rumo na vida.
Assim como começaram a vida, ela e o esposo estavam novamente sozinhos. A casa parecia ter, ilogicamente, crescido. Os cômodos vazios tornavam-se ocupados uma vez perdida ao ano.
E fora assim que surgira a ideia de ir morar num apartamento. Não foi difícil encontrar um que coubesse no bolso e no gosto. O complicado fora se desfazer dos objetos em excesso e, principalmente, das tranqueiras acumuladas durante anos a fio.
Mas sua facilidade em adaptar-se ao novo, e buscar o lado bom de tudo, facilitou a aceitação e a adaptação às mudanças.
Logo que ali viera morar, se achava diferente de todos, primeiro porque não via um(a) idoso(a) sequer. Só encontrava jovens nos elevadores, o que justificava não observar o jeito ou o cheiro de casa, sabe? Choro de criança, cheiro de comida, produtos de limpeza, barulho de máquina de lavar, coisas do tipo. Segundo, pelo diálogo travado com a zeladora do prédio, quando esta lhe disse: Adoro limpar o andar em que a senhora mora! Como assim?, perguntou-lhe. É porque, no horário em que eu venho, a senhora está fazendo o almoço, e o seu tempero é tão cheiroso!
Naquele momento ficou imaginando como seriam os outros cheiros. Lembrou-se de que agradeceu os elogios, e tratou logo de procurar conversa. Precisava urgentemente saber um pouco mais sobre a vizinhança. Não no sentido de fofocar, mas sim de se inteirar sobre aquele lugar em que agora viera morar. Empolgada com a conversa, a zeladora foi abrindo o jogo, dizendo que os moradores, em sua grande maioria, eram professores ou estudantes das instituições das proximidades do condomínio. Tal notícia reforçou sua teoria primeira. Agradeceu as informações dadas pela mais nova amiga, que lhe assegurou: com certeza iria gostar da nova moradia e dos vizinhos.
Realmente ela foi tomando gosto pelos novos ambientes e os seus moradores. No jantar de confraternização natalina, conheceu melhor cada um daqueles que se fizeram presentes e constatou uma nova geração dando os primeiros passos no convívio familiar. Risos de crianças e jovens – tão bom ouvi-los novamente! Nos apartamentos alugados, novos moradores com crianças e pets. A vida pulsa incessantemente. E o melhor de tudo é viver seu lado bom!
O cheiro já se esvaiu. Ela volta ao trabalho, mas o sono já dá os primeiros sinais. Desliga o notebook, e outra rotina se inicia: tomar banho, deitar-se e continuar a leitura de ontem, até que o livro tombe sobre o peito.
Já era noite fechada naquele sábado. Enquanto o cheiro de carne assada invadia os seus aposentos, refletia sobre os seus novos hábitos.
Religiosamente, desde o início da quarentena, havia modificado totalmente seus horários, inclusive os alimentares. O seu desjejum agora era às seis horas; o almoço, às dez e trinta; café da tarde, quatorze e trinta e jantar, às dezoito horas em ponto. Portanto, o cheiro que a inebriava naquele momento – empurrando o seu estômago para as costas – a convidava para uma possível ceia.
Com certeza, cada vizinho, em seus espaços de confinamento, estaria jantando – isso era mais do que normal, outros ainda preparavam os seus alimentos –, haja vista o agradável cheirinho de carne grelhada. Isso era “anormal”. Quanto sofrimento!
Pegou um pedacinho de chocolate, tomou um copo de água e voltou à rotina noturna.
A concentração era quase impossível. Recostou-se na cadeira e soltou o pensamento.
Voltou no tempo ligeirinho... Para uma época em que morara em casa térrea, ladeada de vizinhos que, assim como ela, também tiveram filhos e os viram crescer juntos, dividindo os mesmos espaços na rua ou dentro de casa. Num piscar de olhos se tornaram adultos formados, e cada qual tomou seu rumo na vida.
Assim como começaram a vida, ela e o esposo estavam novamente sozinhos. A casa parecia ter, ilogicamente, crescido. Os cômodos vazios tornavam-se ocupados uma vez perdida ao ano.
E fora assim que surgira a ideia de ir morar num apartamento. Não foi difícil encontrar um que coubesse no bolso e no gosto. O complicado fora se desfazer dos objetos em excesso e, principalmente, das tranqueiras acumuladas durante anos a fio.
Mas sua facilidade em adaptar-se ao novo, e buscar o lado bom de tudo, facilitou a aceitação e a adaptação às mudanças.
Logo que ali viera morar, se achava diferente de todos, primeiro porque não via um(a) idoso(a) sequer. Só encontrava jovens nos elevadores, o que justificava não observar o jeito ou o cheiro de casa, sabe? Choro de criança, cheiro de comida, produtos de limpeza, barulho de máquina de lavar, coisas do tipo. Segundo, pelo diálogo travado com a zeladora do prédio, quando esta lhe disse: Adoro limpar o andar em que a senhora mora! Como assim?, perguntou-lhe. É porque, no horário em que eu venho, a senhora está fazendo o almoço, e o seu tempero é tão cheiroso!
Naquele momento ficou imaginando como seriam os outros cheiros. Lembrou-se de que agradeceu os elogios, e tratou logo de procurar conversa. Precisava urgentemente saber um pouco mais sobre a vizinhança. Não no sentido de fofocar, mas sim de se inteirar sobre aquele lugar em que agora viera morar. Empolgada com a conversa, a zeladora foi abrindo o jogo, dizendo que os moradores, em sua grande maioria, eram professores ou estudantes das instituições das proximidades do condomínio. Tal notícia reforçou sua teoria primeira. Agradeceu as informações dadas pela mais nova amiga, que lhe assegurou: com certeza iria gostar da nova moradia e dos vizinhos.
Realmente ela foi tomando gosto pelos novos ambientes e os seus moradores. No jantar de confraternização natalina, conheceu melhor cada um daqueles que se fizeram presentes e constatou uma nova geração dando os primeiros passos no convívio familiar. Risos de crianças e jovens – tão bom ouvi-los novamente! Nos apartamentos alugados, novos moradores com crianças e pets. A vida pulsa incessantemente. E o melhor de tudo é viver seu lado bom!
O cheiro já se esvaiu. Ela volta ao trabalho, mas o sono já dá os primeiros sinais. Desliga o notebook, e outra rotina se inicia: tomar banho, deitar-se e continuar a leitura de ontem, até que o livro tombe sobre o peito.