SOLIDÃO DOS INOCENTES
Seus passos já cansados pelos anos vividos, solitário, em um asilo, longe de todos a quem mais ama, sem o sorriso dos netos, a mão do amigo e o olhar carinhoso da companheira que partira, um dia, ao amanhecer.
No velório as velas consumindo as chamas lentamente, ele sentado ao lado do corpo inerte no caixão, olhos duramente cerrados, mãos cruzadas sobre o peito.
Sentia uma vontade enorme de acordá-la daquele sono que o incomodava mas especialmente, naquele momento, o sono era mais forte do que a vontade de acordar. Lembrava-se do tempo em que juntos, na pequena varanda conversavam, lembravam histórias, as mesmas histórias do passado contadas com as mesmas palavras de sempre.
Às vezes acariciava os cabelos de sua companheira que dormia enquanto ele esperava calmamente que seus olhos se abrissem, não entendia porque tantas pessoas por perto, passavam, olhavam, meneavam a cabeça negativamente e saiam com o olhar pensativo.
Vieram buscar o corpo para ser levado ao jazigo, colocaram a tampa do caixão e parafusaram, mas ele queria ver seu rosto mais uma vez, a última.
Pediu para que abrissem o caixão, entrou, puxou a tampa e dormiu com sua amada.