Encomendas, folclore e coisas assim
Um tempo atrás, bem atrás, conheci uma pessoa que eu classificaria como folclórica e, como complemento básico do folclore, constato hoje, como talvez não tenha percebido à época, que se tratava de alguém de extrema sabedoria, popular, claro, que é a sabedoria mais sábia de todas.
Dessa senhora aportuguesada, já bem velhinha, que era dona de um botequinho daqueles, ouvi coisas tipo: “essa noite dormi pouco e picadinho” ou, contando causos relacionados ao seu falecido marido “Timbu – apelido do falecido - tinha um cachorro grandalhão chamado Zecão, vê lá se isso é nome de cachorro”! Uma vez afirmou após uma discussão, digamos, sexual “as pessoas maldizem de mim, mas quando eu era nova no Pernambuco só brinquei umas três ou quatro vezes fora do pátio, a primeira foi com um carteiro que também tinha apelido de Timbu, era muita coincidência aí não resisti; depois os fuzileiros, os bombeiros e, já bem depois, os marinheiros. Nunca mais”. E uma outra inconfidência – no passado eu mexi com umas coisinhas aí que a sociedade moderna não aprova – andei vendendo uns troços, coisa pouca, só pra ganhar uns trocados. Uma vez, disse ela, fui ao velório de um cliente e ouvi a mãe chorosa dizer me olhando de “rabo de zóio” “quem matou o meu filho foram as drogas”, aí não resisti, me aproximei e garanti “veja só, minha senhora, se alguma vez seu menino se envolveu com drogas eu não sei, agora, comigo não foi, há anos venho fornecendo orégano pra ele e pra turminha dele; se eles endoidavam com orégano, aí já é não comigo” outra coisa comigo eles nunca compraram, quando acabava o orégano eu moía uns trecos aí e enrolava, mas nada que fizesse mal pro juízo.
Bom, pra rematar, um conselho que ela dava de graça e que, esse sim, quero passar pra frente e, mais ainda que seja seguido à risca; ela dizia sempre pra enquanto estiver vivo não esquecer de deixar encomendado o que quer que seja feito, com seus restos mortais. Bom, vou deixar (espero que ainda demore bastante, claro) cinco filhos aos quais quero dizer que por toda minha vida agradeci a Deus cada segundo por tê-los, foram o grande e melhor presente que recebi e, por favor, não quero que sofram quando eu me for, vocês me fizeram tão feliz, tanto (tive a vida que quis, vivi com as pessoas que amei), que não há absolutamente nada que eu possa dizer além disso – muito obrigado por tanto amor que dividimos!
Bom, mas continuando a seguir o conselho, meio tétrico, concordo, da “bondosa” botequeira de outrora, quando eu “passar desta pra outra” quero, talvez seja um pouco dispendioso, mas gostaria muito de ser incinerado, ter as cinzas espalhadas em alguma mata (não importa onde, mas longe da população), a urninha (vazia) deve ser deixada sobre a sepultura do meu pai / minha mãe. Ah, e não quero de jeito nenhum velório (na incineração somente os muito próximos e se isso for obrigatório, de preferência o mínimo possível). Também não quero que o passamento seja publicado em lugar nenhum (facebook, instagram etc. etc.), espero que avisem / comentem com o mínimo possível de pessoas. O que mais quero é uma “morte absolutamente esquecida”; guardem de mim somente a lembrança e, claro, acima de tudo, o amor. Ah, e rezem também um pouquinho que, dizem, isso faz um bem! P.S. em algum momento dos rituais, toca my way, com Frank Sinatra, evidentemente.