LÁGRIMAS DA INOCÊNCIA.
Abriu a porta devagar, lá estava a filha, na mesma posição de antes, o olhar fixo se perdia no horizonte, parecia hipnotizada, era um calmo fim de tarde, começo de primavera, a tranquilidade daquele fim de dia não refletia a tempestade que assolava os pensamentos da menina.
- O que faz aqui sozinha querida? Perguntou a mãe.
Não houve respostas da filha, o seu olhar continuava fixo no horizonte, era como se não houvesse ninguém presente.
- Você sabe que pode conversar comigo, dizer o que sente, isso vai te fazer bem. Insistiu a mãe.
A menina permaneceu em silêncio, observava o vento balançar a árvores, o Sol declinando no alto do morro, pássaros cantando na copa do abacateiro. A inocente criança permanecia em completo silêncio, não respondendo a nenhuma das perguntas feitas pela mãe. Por fim, ela desistiu.
A porta se fechou, a menina virou o rosto lentamente para a direção da porta, olhou rapidamente de canto de olho, a mãe não estava mais lá, a porta fechada, absoluto e aterrorizante silêncio. Lágrimas escorriam de seus pequenos olhos, a menina voltou-se a posição de antes, observando a noite abraçar o dia.
Alguns transeuntes passavam pela calçada em frente a sua casa, não a percebia na varanda, era como se ela fosse invisível, esse era o sentimento que predominava dentro dela. No céu, os últimos tons de vermelho e laranja desapareciam das nuvens em face da escuridão que avançava.
Colocou as mãos sobre o rosto cobrindo a face, desceu-as até o pescoço, sentiu faltar o ar, pousou a mão esquerda no braço da cadeira de balanço, a mão direita alisando a barriga, as lembranças trágicas do abuso em sua memória, o procedimento médico que levou ao aborto, era uma gravidez de cinco meses, o fruto de um pecado abominável, cometido por um monstro, as manifestações contra e a favor foram intensas, tudo era muito confuso para ela, muito dolorido.
Naquele dia completava um ano desde que tudo aconteceu. A dor, angústia, depressão; não eram apenas as lembranças do abuso sofrido por alguém tão próximo, o pior de tudo foram as marcas na alma, feridas essas que ainda estavam abertas, sangrando, e, que as levará pelo resto de sua vida. Por mais que os pais tentassem compreender a filha, jamais alcançaram a extensão da dor que filha sentia...
Amigos leitores, essa crônica é para nossa reflexão, no que desrespeito ao assunto da menina de dez anos, abusada sexualmente por um parente próximo, vindo a engravidar posteriormente… Quanto ao desenrolar da situação, de ter que interromper a gestação, se foi ou não correto, enfim, cada um terá a sua opinião, mas, a minha intenção com o texto foi justamente focar na situação da menina, não só a dor do abuso sofrido, mas, principalmente a dor de ter que por fim a gravidez, certamente que para ela não foi algo fácil. Daqui a algumas semanas todos esqueceram do assunto, já a menina... Jamais esquecerá.
Que fique de reflexão para todos nós.