Cair faz pensar
Acordei de madrugada, coloquei mais colcha na cama, porque o frio pedia... Abracei-me com as colchas e apurei os ouvidos (...) O som macio que vinha lá de fora contou-me o que era: c h u v a ... muitos pinguinhos, muitos mesmo. O calor da cama logo me embalou no colo. E a chuva cantou pra mim, embalando meu sono.
Acordei, fiz coisas que faço nas manhãs de sábado. À tarde fui ver meus pais, que moram de frente a minha casa. Ao voltar de lá, caí... no passeio de casa caí. Minha Mari estava comigo e ficou muito preocupada, queria me levantar, perguntava o tempo todo se eu me machucara, se estava tudo bem... e eu não conseguia responder, porque não estava entendendo o que doía mais, se o pé direito que virou, se a unha da mão que quebrou, se os joelhos ralados... tudo falando ao mesmo tempo e eu tentando entender como me levantar. Por essa confusão de ideias acabei sendo grosseira com minha filha, que se melindrou, com razão. Então, a ressaca foi pior. Porque a raiva voltou -se pra mim. Como é possível que uma mulher madura, com um vernizinho de educação, consiga se comportar com tamanha insensatez? Podia cair, mas cair no riso, na gargalhada... pois nada de grave houve pra permitir que tanta raiva me devorasse a boa educação. E eu me lembrei de outras histórias, como o dia em que caí e isso salvou-me a vida. O dia da vaca louca! Louca por sua cria que eu levara ao curral. Quando a vaca, babando de raiva, veio pra cima de mim eu caí. A vaca pulou meu corpo inerte no chão. Só por isso estou aqui agora contanto histórias. Porque caí.
O que tinha a fazer agora? Pedi perdão à Mariana. Depois, a mim mesma, pela ira sem sentido... Feito assim, a paz chegou, de mansinho, bateu na minha porta e perguntou se podia entrar. Eu a convidei a sentar e, que buscasse logo suas malas pra morar comigo. Apurei de novo os ouvidos, nessa tarde gelada, pra ouvir a natureza que ama a chuva - os passarinhos, em suas várias línguas, me diziam: fica quietinho, coração!