SORVETE DE REALIDADE
Como uma interação à crônica de Mary Fioratti, intitulada (Quero um sorvete de sonho).
Na evolução da vida do ser humano, geralmente na faixa dos 50 anos em diante, as inquietações da mente tornam-se mais profundas, gerando um ambiente instável, entre recordações agradáveis ou não do passado que ficou para trás, de contingências do presente, e de abstrações sobre o futuro, com os seus mistérios, que gostaríamos de antever. Nesse contexto, surge o desejo pelo sorvete de sonho, conciliando todas as circunstâncias do passado com o presente, e proporcionando uma agradável expectativa para o misterioso futuro.
Com efeito, essas inquietações permanecem saltitando na racionalidade na tentativa de transcendê-la, cuja consecução seria o sedativo, ou o elixir para a tranquilidade da mente, subjugada pelos conflitos internos.
A transcendência pode ser um longo caminho a ser percorrido, ou nem tanto, dependendo do lugar onde estejamos na escala evolutiva pessoal, e podemos começar, examinando o nosso planeta, que é a caverna de Platão, e está coberta com um enorme lençol de nuvens espessas, que impedem a entrada da luz do sol, e os seus oito bilhões de habitantes, aprenderam a degustar o sorvete de sonho, com a sedutora cobertura de sofismas, que servem numa bandeja de fantasia, ornada da prestidigitação, na arte absorvida pelos escribas, os fiéis discípulos do seu mestre Protágoras de Abdera.
Uma terça parte dos habitantes da caverna, deseja mesmo o sorvete de realidade, pois está farta de consumir o sorvete de sonho e até da velha bandeja de fantasia. Esse sorvete real não é uma quimera, pois ele se encontra na intuição, mas o problema é que o comando da intuição não está em poder de nenhum habitante da caverna. Aliás, essa condição de permanente irrealidade no interior dessa escura caverna, não escapou da percepção do grande filósofo Platão (428-347a.C.). Decorridos 2367 anos de evolução, depois do filósofo, os cientistas da natureza (físicos, astrofísicos e astrônomos) também não obtiveram a percepção intuitiva da realidade, mas o sapateiro alemão Jacob Boehme (1575-1624) a recebeu, e em grandes proporções, registrando suas experiências em vários livros, dentre os quais destacam-se (Os Três Princípios da Essência Divina) e (A Aurora Nascente). Porém, os cientistas envolvidos pelas sombras da caverna, continuam descalços, pois eles não conseguiram calçar os (sapatos) produzidos por Boehme, que não se ajustaram aos seus pés, e nem os seus livros se ajustaram aos seus intelectos, submetidos às suas fantásticas teorias do nada...
Os habitantes da caverna continuam acorrentados no seu interior, envolvidos pelas sombras, e degustando o sorvete de sonho, servido na bandeja de fantasia, mas alguns deles conseguem romper as correntes e escapar intuitivamente da caverna, saboreando o sorvete de realidade, servido na bandeja de resplandecência espiritual. Estes estão livres, e desapareceram as suas inquietações, seus conflitos, suas angústias...