Mais uma vez
Demorou a processar o que sentia após ver sua foto com o rosto colado ao daquele que, por tantas vezes, ouviu-a lamentar a falta de reciprocidade. Pensava que o caminho se iluminava a cada dia, a cada mensagem, cada palavra, cada letra, cada notificação. Mas sentiu-se um cego encarando um espelho.
A madrugada de sábado despertara e o intimou a fazer-lhe companhia, de modo que o sono lhe fora adiado e os dois destrincharam todas as teorias imagináveis para a razão daquela imagem, e nenhuma delas o acalmava. Nunca o havia visto, nem naquele refúgio, e isso mexera profundamente com a esperança que alimentava.
Cada lado do travesseiro parecia sussurrar em seus ouvidos, tentando dissuadi-lo da tarefa de conquistá-la. Fugia do leito, mas os móveis revelaram um conluio e, por onde passava, os sussurros o acompanhavam numa profusão de vozes que o desnorteava qual a um ébrio. De tão perseguido, parecia inclinado a ceder aos apelos da mobília, mas seu coração, aflito, o aconselhou a não dar ouvidos às lamentações e, enfim, rendeu-se ao cansaço e adormeceu.
A consulta a Orfeu não o confortou e acordou ainda abalado e repleto de incertezas com um fantasma o assombrando e tentando convencê-lo de que havia chegado o momento de juntar os cacos de seu coração, mais uma vez.
Passou o dia repetindo a si mesmo que não acreditava em assombrações e que desistir é um verbo que aprendeu a ignorar. Teria que ouvir a desistência através de suas decididas palavras e não por imagens fora de contexto. O domingo despedia-se quando avistou a esperança que luzia de sua alcova. A insônia revelou-se precipitada, o fim de semana não concluiu a história afinal. Podia voltar a ter esperança, mais uma vez.
O sol levantou-se e trouxe consigo a lembrança de Benjamin Button e a rota de colisão. A improvável personagem reflete acerca da aflitiva constatação de que estamos, inconscientemente, em uma rota de colisão, impossibilitados de alterar seu destino. Cada ação, cada coincidência, é na verdade, sinais que antecedem o inevitável. E tudo o que ela precisa é de tempo.
Continuaria aguardando que o turbilhão de dúvidas que assolava seus pensamentos se dissipasse. Respeitaria a inquietude e incapacidade de decisão que seu coração enfrentava e continuaria se preparando para ser digno de sua companhia caso fosse agraciado.
Rogou ao tempo sabedoria para compreender que não é o senhor dos desígnios da vida. Que lhe cure as feridas e as cicatrize em marcas fortes para que valorize os aprendizados e não desperdice seus amores. Que se cumpram suas vontades, pois é o único deus possível, já que é o início e o fim e nada há fora do tempo.
Seguiria às cegas. Juntaria os cacos de seu coração ou a espera o premiaria, mais uma vez!