O peixe e o lodo
O peixe, por acidente, imprudência ou por maldade alheia, foi jogado no esgoto. Que desgosto mais em contraste com seus planos.
Raro oxigênio nas águas sujas, abarrotadas de lodo. Micro-organismos e ratos eram as suas novas companhias no escuro dos tubos quais túneis emaranhados em labirintos.
Adapte-se, conecte-se, berrava o novo normal, anormal, obsceno. Jamais sonhara nadar em Vênus. Sua casa não fora escolhida nem dada ao acaso.
Era essa tosca realidade tão autoritária que por pouco não se tornou sua verdade. Até que o peixe se deu conta de que a dor é uma transição, que pode durar uma eternidade, ou o tempo de aprender como voltar ao rio.
Então contorceu-se contra a lama densa valendo-se da experiência vivida numa ocasião quando escapou de um anzol.
Bateu incansavelmente as barbatanas a despeito do choque às cegas contra o cimento da tabulação, até que caiu no rio.
Era um novo rio, de águas cristalinas de onde outra vez podia ver a luz do sol. Onde se reconhecia e era livre novamente para querer viver um dia após o outro.