Toda mãe é uma espécie rara. De um tempo pra cá, militam soberanas no grupo das extintas, mas também das exóticas.
A minha mãe, por exemplo, todo ano cisma que no dia do seu aniversário não quer ganhar presentes. Mas como ela tem uma vitrola ambulante na língua e um relógio do sol em si, nunca escutei suas justificativas, sempre comprei, até 2020.
Quem sair de 2020 sem mudar conceitos, rever posição e postura, não aprendeu a lição. A privação da liberdade de ir e vir e o medo que tomaram o mundo são um chute nas nádegas: ou você cai ou aproveita o impulso e vai.
Na onda das lives, acabei encontrando, por acaso, um budista famosinho com milhões de seguidores no Youtube. Resolvi assistir e dei de cara com a carapuça que me serviu: devemos respeitar o desejo do outro, mesmo que isso nos pareça improvável, desconfortante. Resolvi ouví-lo.
Chegou o grande dia! Como ela segue o ritmo dos britânicos, um atraso seria um afronta. Peguei o carro e atravessei a cidade com um espírito genuíno e cheia de amor pra dar. Pois, mais vale amor no coração do que presente na mão!
O encontro mais esperado estava prestes a se realizar, depois de longos 6 meses. Toquei a campainha e esperei sua sempre feliz acolhida. Estranho que tive a ligeira impressão de que me recebeu de cara amarrada. Fechou a porta e disse que já estava atrasada, meus irmãos já haviam chegado.
Entre uma conversa aqui e outra ali com meu pai e irmãos, ouço um resmungo como se fosse uma segunda voz em tom vibrante e muito malemolente, usei minha intuição 3 d e liguei meu radar de fofoca, e lá estava a sua amargura colocando fogo na fogueira:
- Sua irmã esse ano está diferente. Nem se lembrou do meu aniversário. Nem uma lembrancinha comprou... Anda muito ocupada, nem liga mais pros pais que estão entrando na casa do 60. Um afronta, triste.
Cai literalmente na gargalhada no meio de uma conversa atravessada com a cunhada, enquanto ouvia seus choramingos. Pensei: como podia uma atitude de total desapego parecer um desaforo? Devia voltar numa outra hora? Ir lá justificar? Respirei profundamente e lembrei que coerência feminina vai até o próximo interesse e que hormônios femininos são uma bomba-relógio.
Fui até a cozinha, mesmo não podendo, a abracei (ambas de máscara, é claro). E arrumei uma desculpa pra não ter comprado o presente, disse que viria pela internet.
Minutos depois, na hora da sobremesa, lá estava ela, contestando todas as realidades para dizer que sou a única filha que não passa um dia sequer sem vê-la e que lhe dou presentes que sempre gostou, apesar de não se importar com eles.
Dei um passo pro lado e fingi demência. Mãe tem cada uma! Mãe, é cada uma... E o presente nunca desejado, chegou uma semana depois, pelo correio. E quando o telefone tocou e vi seu número no identificador de chamadas, balbuciei em silêncio:
- Não precisava filha, adorei o presente! Você me conhece. Deus lhe ajude...
E ele ajuda, mãe! Como ajuda... Parei de seguir o budista famosinho, vai que entro noutra onda. Estes tempos de pandemia são tão dinâmicos...
A minha mãe, por exemplo, todo ano cisma que no dia do seu aniversário não quer ganhar presentes. Mas como ela tem uma vitrola ambulante na língua e um relógio do sol em si, nunca escutei suas justificativas, sempre comprei, até 2020.
Quem sair de 2020 sem mudar conceitos, rever posição e postura, não aprendeu a lição. A privação da liberdade de ir e vir e o medo que tomaram o mundo são um chute nas nádegas: ou você cai ou aproveita o impulso e vai.
Na onda das lives, acabei encontrando, por acaso, um budista famosinho com milhões de seguidores no Youtube. Resolvi assistir e dei de cara com a carapuça que me serviu: devemos respeitar o desejo do outro, mesmo que isso nos pareça improvável, desconfortante. Resolvi ouví-lo.
Chegou o grande dia! Como ela segue o ritmo dos britânicos, um atraso seria um afronta. Peguei o carro e atravessei a cidade com um espírito genuíno e cheia de amor pra dar. Pois, mais vale amor no coração do que presente na mão!
O encontro mais esperado estava prestes a se realizar, depois de longos 6 meses. Toquei a campainha e esperei sua sempre feliz acolhida. Estranho que tive a ligeira impressão de que me recebeu de cara amarrada. Fechou a porta e disse que já estava atrasada, meus irmãos já haviam chegado.
Entre uma conversa aqui e outra ali com meu pai e irmãos, ouço um resmungo como se fosse uma segunda voz em tom vibrante e muito malemolente, usei minha intuição 3 d e liguei meu radar de fofoca, e lá estava a sua amargura colocando fogo na fogueira:
- Sua irmã esse ano está diferente. Nem se lembrou do meu aniversário. Nem uma lembrancinha comprou... Anda muito ocupada, nem liga mais pros pais que estão entrando na casa do 60. Um afronta, triste.
Cai literalmente na gargalhada no meio de uma conversa atravessada com a cunhada, enquanto ouvia seus choramingos. Pensei: como podia uma atitude de total desapego parecer um desaforo? Devia voltar numa outra hora? Ir lá justificar? Respirei profundamente e lembrei que coerência feminina vai até o próximo interesse e que hormônios femininos são uma bomba-relógio.
Fui até a cozinha, mesmo não podendo, a abracei (ambas de máscara, é claro). E arrumei uma desculpa pra não ter comprado o presente, disse que viria pela internet.
Minutos depois, na hora da sobremesa, lá estava ela, contestando todas as realidades para dizer que sou a única filha que não passa um dia sequer sem vê-la e que lhe dou presentes que sempre gostou, apesar de não se importar com eles.
Dei um passo pro lado e fingi demência. Mãe tem cada uma! Mãe, é cada uma... E o presente nunca desejado, chegou uma semana depois, pelo correio. E quando o telefone tocou e vi seu número no identificador de chamadas, balbuciei em silêncio:
- Não precisava filha, adorei o presente! Você me conhece. Deus lhe ajude...
E ele ajuda, mãe! Como ajuda... Parei de seguir o budista famosinho, vai que entro noutra onda. Estes tempos de pandemia são tão dinâmicos...