Vebais Ninho de Palavras ( escutar, ler, escrever)
VERBAIS :NINHO DE PALAVRAS (ESCUTAR,LER,ESCREVER)
Carmen L Fossari
Vou relatar minha vivência como leitora partindo de três verbos que compreendem meu processo que começa como ouvinte, permanece como leitora e me leva à escrever, mas antes quero refletir um pouco sobre nossa contemporaneidade, especialmente num tempo de pandemia, onde as redes sociais ganham um bom tempo em nossas vidas.
A bem da verdade, essa era da tecnologia da informação que vivemos tem, de alguma maneira, aumentado o número de leitores.
Desde os cotidianos wattsap dos grupos das família, de amigos, interesses afins, e aí inclui-se ainda a má leitura das fake News, da propagação de erros linguísticos graves mas para redimir , há uma literatura universal disponível na rede de internet, e muitas ofertando literatura de forma gratuita, em arquivos de PDF, que basta o leitor fazer um download .
Hoje poesias dos grandes poetas da humanidade de todos os tempos, são veiculadas nas redes sociais e há os Blogs e Sites, como esse que agora estamos a ler, que abrem espaço para uma imersão via leitura das pessoas com seus hábitos culturais.
Ao pensar sobre leitura lembro sempre do Augusto Boal, falando num curso que tive a oportunidade de ser sua aluna falando :”eu leio de tudo, até bula de remédio” além da brincadeira, e há de se ler mesmo, sua paixão pela leitura e sua disponibilidade de ser um leitor contumaz.
Partindo para minha vivência como leitora e de tanto que gosto de ler, me vi algumas vezes levando malas cheias de livros para doações, para que os livros circulem, mas claro há aqueles que sequer sairão das portas da casa, e dentre estes posso dizer o da obra poética de Vicente Huidobro:” Viaje de un Paracaídas (Heme aquí perdido entre mares desiertos/ Solo como la pluma que se cae del pájaro en la noche /Heme aquí en una torre de frío/ Abrigado del recuerdo de tus labios marítimos /Del recuerdo de tus complacencias y de tu cabellera).
Livros d@s autores Carlos Drummond de Andrade (A Rosa do Povo em especial”Uma flor nasceu no asfalto, é feia, mas é uma flor!”), de Pablo Neruda , Garcia Lorca, Cecília Meirelles(Sede assim qualquer coisa . serena, isenta fiel, não como o resto dos homes), Cruz e Sousa (Vozes Veladas, Veludosas Vozes, volúpias do violões vozes veladas ), Fernando Pessoa e seus heterônimos ,Jorge Luis Borges (El Aleph), Guilhaume Apolinaire, Shakespeare, Schiller, Goethe, poetas japoneses, chineses , latino americanos e claro os teórico de teatros e os que contenham textos da dramaturgia universal onde situo ter essa grandeza nossos Dias Gomes e Nelson Rodrigues (lido de forma maniqueísta na maioria das adaptações ao cinema).
Feita essa confissão reflito que antes de ser uma leitora que ama ler, escutar literatura foi a primeira etapa e uma dádiva. Sorte eu e meus irmãos e irmãs (Teresa, Iara, Dulce, Rosa, Mingos ,Ivâna e Zuza ) termos tido um pai artista, que lia para uma turma de filh@s crianças contos de Hans Cristian Andersen , Irmãos Grimm, Shakespeare em contos, outros .
A essa sequência de leituras paternas, seguiram os poemas lidos por ele em voz alta. Se do lado paterno a literatura era sempre convidativa, do lado materno, igualmente mamãe era leitora mas vejam que inusitado: lia artigos ligados a medicina, amava descobertas e se interessava por psicologia, deve ser pelo fato de ter tido oito filh@s o que a tornou uma psicóloga na compreensão e no trato com toda família.
Mas felizmente ser leitor, leitora é antes de tudo uma vocação. E por que escrevo isso? Temos visto quase diariamente crianças que em condições adversas buscam ler e, mais que isso, criam bibliotecas comunitárias, nos espaços de suas casas muitas vezes desprovidas do mínimo conforto, o que atesta a omissão do estado, e a determinação e fé das pessoas na busca de ser feliz.
Encontramos histórias que emocionam aos olhos marejarem, saber que não há limite à capacidade humana de superação, e nesse caso a própria leitura é um antidoto às circunstancias sociais de uma país com uma das maiores concentrações de renda do mundo (misto de tristeza e vergonha) o que torna nosso cenário tão díspar!
Retornando às leituras que me são especiais as biografias de artistas, os livros de arte que me acompanham Brueguel, Picasso, os Renascentistas, Van Gogh e Leonardo da Vinci gosto de ler, ver, reler.
Leio todos os gêneros literários e opto em primeiro lugar pela poesia. Através da poesia podemos reacender matizes emocionais que muitas vezes o cotidiano a oclusa. Nas aulas que leciono de teatro, gosto de trabalhar improvisações com textos poéticos.
A poesia evoca a sensorialidade, nos toma de assalto e entregamo-nos ao poema reescrevendo nossas próprias emoções do momento da leitura. Uma citação Oscar Wilde se aplicada à leitura do poema , pode bem traduzir esse efeito:” a melhor maneira de resistir a uma tentação é entregando-se à ela.”
De estudante à leitora e de leitora à escritora, esse foi o meu processo com a literatura. Concomitante lia, comecei a escrever, poesias, aos nove a primeira em homenagem a Mather Luther King, num concurso do Colégio Coração de Jesus gostaram do poema publicando-o.
Aos 15 anos uma safra de poemas amorosos, pensava eu que eram poemas e eram apenas confissões um diário pretensamente poético; como bem disse Manuel Bandeira: “Aquilo que sentes não é poesia, é material para poesia” a poesia é trabalho árduo construtivo entre metáforas e reconstrução da linguagem. Aliás há muita” poesia” assim dita , que ainda não é poesia, é material para poesias, as vezes ,ler tanta ingenuidade escrita sob a égide da poesia traz um lado negativo pode afastar novos leitores, mas também é certo que sentimentos apenas transcritos chegam de forma simples a muitos leitores iniciais , então há que se respeitar.
Retornando ao terceiro verbo, desse processo :escutar, ler e escrever poesia e dramaturgia são os mais usuais, os contos gosto de ler e escrever , e romance escrevo dois que parecem distantes do epílogo ( é difícil escrever romance !)
Escrevi textos teatrais para dirigir, outros momentos adaptando os textos clássicos e em outros momentos, os escritores catarinenses: Franklin Cascaes, Lindolfo Bell, Argus Cirino, Flavio José Cardoso, Almiro Caldeira de Andrade, Alcides Buss, Raul Caldas Filho, e Harry Laus.
Harry Laus, foi muito forte, adaptei quase toda sua obra e encenei, também produzindo junto ao Pesquisa Teatro Novo/UFSC. Das obras s de Harry Laus, adaptadas para a dramaturgia , ele assistiu a primeira baseada no seu livro monólogo : AS HORAS DE ZENÃO DAS CHAGAS.
Disse-me ter sido uma das maiores emoções de sua vida, ver o Zenão personagem literário em carne e osso. A literatura é essa porta aberta para as outras artes, outras linguagens derivam
da literatura, e muita literatura pode ter nascido da inspiração do escritor ao ser leitor de um outro texto literário. Porque a literatura é uma chave à imensa criatividade humana, cada leitor é também um escritor imagético, quando visualiza a palavra lida.
A literatura tem muitos caminhos, tantos quantos a cultura produz, dos fatos históricos, aos técnicos, aos de caráter humanitários e emocionais.
Na minha dramaturgia escrevi sobre o poeta Pablo Neruda , encenei e levamos ao Chile: DON PABLO NERUDA ENTRE VOCALES, e depois me aproximei da ciência num momento que o país começou com o delírio de a negar, escrevi AS LUAS DE GALILEU GALILEI e LUZ EM EINSTEIN, ambas encenadas pelo Pesquisa Teatro Novo DAC/SecArte/UFSC.
Antes de finalizar, vou confessar as idas a Bienais, aquele mar de livros é assustadoramente tentador, ali está a alma da humanidade de todos os tempos registrada.
O livro da peça LUZ EM EINSTEIN foi lançado na Bienal de SP em 2018 pela Editora Delicatta/Loyolla Brandão. Também na Bienal de Sem 2018, anos antes lancei meu primeiro livro de poesia HERESIA, em SC um segundo livro de poesias, pela Editora Delicatta (SP) LUA PALAVRA NUA.
Conseguir editar no Brasil é muito difícil, e nesse exato momento há uma batalha travada entre livreiros, educadores e leitores para que não sejam taxados impostos sobre o livro, ainda como país lemos muito pouco!!!
Finalizo pensando que escutar e ler são dois verbos fundamentais, pois através deles conseguimos ver além do imediato, sentir com mais humanidade as pessoas, sonhar que podemos sempre interagir no mundo da melhor forma.
Escrever é um ato de paixão, mas sem o leitor de nada adiantaria, então encerro essas anotações com um grande abraço à você que leu até aqui. Todo o n afeto e até a próxima palavra, numa esquina da vida!
PS: O título desse artigo é homônimo a uma peça que roteirizei e dirigi com poesias.VERBAIS NINHO DE PALAVRAS.
Ilha De Florianópolis, 13 de Agosto 2020
Carmen Fossari
Atriz, Poetisa, Diretora de Teatro
Escrito para o Blog Tabacaria