(In)certezas do amor

Estava ali, na penumbra solitária daquela sala de estar, numa sexta-feira convidativa e inspiradora para se fazer de tudo, exceto permanecer no marasmo. Olhava ao redor, recolhido naquele sofá puído. Soltava mais uma baforada de seu cigarro, enquanto se preparava para tomar mais uma dose de seu Ballantine´s, cuja garrafa já se adiantava abaixo da metade. Lembrou-se daquela visão do otimista x pessimista, "a garrafa está meio vazia, ou meio cheia?", e sorriu lá com seus botões. Fez isso só para tentar ludibriar sua mente...ledo engano...

Como se fora doença incurável, o pensamento em sua amada latejava dentro da cabeça violentamente. Olhar perdido, olheiras denunciavam mais uma noite em claro, ainda no escuro, sem entender o porquê daquela suposta indecisão. Já havia aberto seu peito, declarado seu sentimento à amada; primeiro, deixava-se subentender; depois, numa outra oportunidade, trouxe todo o ardor, verteu aquela torrente que transbordava de seu coração, porém, percebia que ela misteriosamente não demonstrava grande empolgamento. Saíram juntos por três ou quatro vezes na noite para se conhecerem melhor; ele tentava mais uma investida; ela, por sua vez, se esquivava. O que mais o aturdia naquilo tudo, é que ela aceitava até com uma certa facilidade seus convites eventuais ao cinema, barzinhos e danceterias, mas....Qual nada! O máximo que conseguira foi um quase beijo roubado, enquanto ela afastava seu rosto dos lábios afoitos do varão. Mais um gole de seu drink, e outra baforada. Olhava para a fumaça suspensa no apartamento, enquanto o rosto da amada se formava na nuvem azulada, diante de seus olhos. Sentiu uma fisgada no coração, de tristeza...Por que ela agia assim? O que será que ela sente (se é que sentia alguma coisa)? O que ela esperava? Lembrou-se de Jabor, que diz que "[...] a mulher não acredita em nosso amor. Quando tem certeza dele, pára de nos amar". Sorriu um sorriso amarelo, achando que o velho cineasta e cronista fizera chacota, prevendo sua situação. Já era tarde. Decidira se recolher. Seu celular toca. Ficou surpreso . Ela ligava. Atendeu prontamente, e foi como se tivesse a sensação de que toda a tristeza e abatimento tivesse desaparecido repentinamente. Desta vez, ela é quem o convidava para um jantar, sábado à noite, para conversarem. Ele cuidou de se atentar ao tom de voz dela - lhe pareceu bem carinhoso. Teve a certeza de que este era um dos motivos pelos quais se apaixonara por aquela mulher.

Ao final, foi imediatamente brindar com seu Ballantine´s - seu parceiro noturno - a possível reviravolta daquela situação, mas desta vez, com o rosto afogueado, sorriso nervoso, coração em descompasso, ante as possibilidades que margeavam o horizonte...

De repente, a noite daquela sexta-feira havia se tornado tão especial e ao mesmo tempo, um formidável prefácio do que poderia acontecer.

Quem sabe, os deuses do amor haviam se compadecido e resolveram dar um empurrãozinho no destino...

Marcio Roque
Enviado por Marcio Roque em 21/10/2007
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