UMA NOITE, UM DIA

Acordei muito cansado. Olhei para o lado e certifiquei-me do local. Realmente era meu quarto. Com muito esforço, cheguei até a cozinha. Em meu corpo tilintava, nos mais entranhados músculos, a batida da música da noite passada. Balada solitária, diga-se. Na pandemia, beber sozinho virou imperativo. Sentei na banqueta e pude ver, no relógio do micro-ondas, o decorrer da hora. Meio dia! Tomo café ou almoço?


Preferi o café, a bolacha com leite parecia mais palatável do que o arroz frio sobre a mesa. Na mente, desfilava pensamentos ordinários, indignos, incautos. Fui deitar. Precisava de um bom acorda-defunto, caldo tipicamente conhecido no Nordeste, mas de nome rupiado. A tarde passou, eu dormi, bebi e comi novamente. A noite chegou e me mostrou, de fato, o quão inútil era minha vida.

A dúvida, eu confesso, em plena madrugada, era: dou asas às minhas paixões ou freio meus ímpetos e recuso essa rodada? Sozinho, penso, a passagem de um homem deveria ser mais interessante. Recuso o convite do gargalo e pouso a mão na minha coleção de livros. Há quanto não lia de verdade? Três meses, talvez. Pelo vitral, o reflexo do luar invadia e o silêncio do avançar das horas me lembrava do sono dos justos. Seria eu, então, um homem justo? Enfim, desisto da leitura e durmo, lá vem mais um dia...